As regras para supressão de vegetação nativa em territórios protegidos variam conforme o tipo de proteção. Unidades de conservação de proteção integral, que permitem apenas o uso indireto de seus recursos naturais, tipicamente não admitem supressão de vegetação nativa; já unidades de conservação de uso sustentável, que autorizam o uso de uma parcela de seus recursos naturais, admitem a supressão de vegetação nativa quando devidamente licenciada e conforme plano de manejo. Em terras indígenas, a supressão de vegetação nativa só é prática legal se realizada por povos indígenas como parte de seu modo de vida tradicional.
A conservação da vegetação nativa em territórios protegidos decorre de maior probabilidade de eventuais infratores serem descobertos e severamente punidos por seus atos. Esses territórios são monitorados por órgãos governamentais dedicados e tipicamente também estão sob maior escrutínio público, já que áreas protegidas atraem muita atenção das mídias nacional e internacional e da sociedade civil. Além disso, a legislação brasileira prevê punições mais severas para infrações ambientais cometidas dentro de territórios protegidos.
A proteção territorial é uma das políticas de conservação ambiental mais amplamente utilizadas no mundo, inclusive no Brasil — mais da metade da Floresta Amazônica brasileira está sob proteção de unidades de conservação ou terras indígenas. No entanto, a literatura acadêmica documenta resultados mistos quanto à efetividade desses territórios para a redução do desmatamento na Amazônia. Há evidência de que unidades de conservação e terras indígenas conferem proteção local ao reduzir a ocorrência do desmatamento em territórios protegidos; porém, há ampla variação nos impactos estimados entre regiões, períodos de tempo e tipos de proteção, incluindo estimativas de impacto nulo da proteção territorial (Nolte et al. 2013; Pfaff et al. 2014; Pfaff et al. 2015a, 2015b; Anderson et al. 2016; BenYishay et al. 2017; Kere et al. 2017; Assunção e Gandour 2018; Herrera, Pfaff e Robalino 2019; Baragwanath e Bayi 2020). Esse conjunto de resultados tão diversos deve ser interpretado à luz das diferenças no risco de desmatamento a qual cada território está exposto. Afinal, se uma área não está sob risco iminente de perda florestal, provavelmente não haveria desmatamento expressivo ali com ou sem proteção territorial. Assim, efeitos pequenos ou até nulos são frequentemente atribuídos ao fato de que a proteção foi concedida a territórios que estão, na prática, longe das pressões de desmatamento durante o período de estudo (Pfaff et al. 2015a, 2015b; Anderson et al. 2016; Herrera, Pfaff e Robalino 2019).
A partir de 2004, a decisão de alocação de territórios protegidos na Floresta Amazônica passou a contemplar de forma mais explícita a possibilidade dessas áreas servirem como uma barreira para o avanço do desmatamento. Com isso, houve forte expansão da proteção territorial em áreas sabidamente expostas a fortes pressões de desmatamento. Assunção e Gandour (2018) exploram essa estratégia de alocação para testar o impacto da proteção territorial em zonas de alto risco. Os resultados indicam que unidades de conservação e terras indígenas efetivamente contiveram o desmatamento, evitando que a perda florestal avançasse sobre o território protegido. Contudo, as estimativas sugerem que a política de proteção territorial não reduziu de forma expressiva o nível agregado de desmatamento na Amazônia. Os autores interpretam isso como evidência de que os territórios protegidos servem como um escudo, conferindo proteção efetiva às florestas dentro de suas fronteiras, mas desviando o desmatamento para regiões desprotegidas. Isso configura, argumentam, um efeito indireto da proteção territorial.
A evidência sobre efeitos indiretos da proteção territorial é ainda relativamente limitada, mas a literatura acadêmica aponta para um crescente interesse no tema (Fuller et al. 2019). Para a Amazônia brasileira, há indícios de que, assim como ocorre com o efeito direto, efeitos indiretos variam tanto em magnitude quanto em direção entre locais e principalmente tipos de proteção (Herrera 2015; Herrera et al. 2019). Isso destaca a importância de se considerar, para fins de planejamento de política pública, como estruturas de governança podem influenciar os impactos da proteção territorial. Além disso, pouco se sabe sobre os mecanismos por trás desses efeitos indiretos. Herrera (2015) avança nessa direção explorando padrões de migração e expansão da infraestrutura de transportes como possíveis mecanismos para um efeito estimado de redução do desmatamento no entorno imediato de territórios protegidos. O autor argumenta que a existência de um território protegido parece afetar a dinâmica de desenvolvimento regional e, assim, influenciar o desmatamento próximo a esses territórios.
Em geral, a evidência corrobora o uso da proteção territorial como um instrumento tanto de conservação de áreas críticas quanto de contenção do avanço do desmatamento. Porém, também reforça a necessidade de se integrar estratégias de proteção territorial e políticas de conservação complementares para frear o desmatamento em toda a Floresta Amazônica. Para tanto, é preciso aprofundar a compreensão de eventuais efeitos indiretos da proteção territorial e de seus mecanismos.
Referências
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Assunção, Juliano e Clarissa Gandour. “The Deforestation Menace: Do Protected Territories Actually Shield Forests?”. CPI/PUC-Rio, Working Paper (2018). bit.ly/3wQ9fX7.
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BenYishay, Ariel, Silke Heuser, Daniel Runfola e Rachel Trichler. “Indigenous land rights and deforestation: Evidence from the Brazilian Amazon”. Journal of Environmental Economics and Management 86 (2017): 29-47. bit.ly/3iw90ez.
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Herrera, Luis Diego “Protected areas’ deforestation spillovers and two critical underlying mechanisms: An empirical exploration for the Brazilian Amazon”. Tese de doutorado, Duke University, 2015. bit.ly/3hRt4Ji.
Kere, Eric Nazindigouba, Johanna Choumert, Pascale Combes Motel, Jean Luis Combes, Olivier Santoni, Sonia Schwartz. “Addressing contextual and location biases in the assessment of protected areas effectiveness on deforestation in the Brazilian Amazônia”. Ecological Economics 136 (2017): 148-158. bit.ly/3eJ1xrp.
Nolte, Christoph, Arun Agrawal, Kirsten M. Silvius e Britaldo Soares-Filho. “Governance Regime and Location Influence Avoided Deforestation Success of Protected Areas in the Brazilian Amazon.” Proceedings of the National Academy of Sciences 110, nº 13 (2013): 4956-4961. bit.ly/2Uy1N5M.
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Pfaff, Alexander, Juan Robalino, Luis Diego Herrera e Catalina Sandoval. “Protected Areas’ Impacts on Brazilian Amazon Deforestation: Examining Conservation – Development Interactions to Inform Planning”. PLoS ONE 10, nº 7 (2015b). bit.ly/2V0t9l1.