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Como principal instrumento da política agrícola brasileira, o Plano Safra é crucial para o desenvolvimento sustentável, estabelecendo linhas de crédito que visam garantir o financiamento da produção agrícola e a comercialização dos produtos. O objetivo da política agrícola tem sido ajudar os produtores a lidar com dificuldades e incertezas. Dada sua relevância para as práticas agropecuárias e o uso da terra, é fundamental que o Plano Safra esteja totalmente alinhado às metas climáticas do Brasil e que seu portfólio esteja vinculado a práticas de baixa emissão de carbono, assim como funciona hoje o Programa para Redução da Emissão de Gases de Efeito Estufa na Agricultura (Programa ABC+).

O crédito rural é a mais importante fonte de financiamento para o agronegócio. O governo destinou cerca de R$ 340 bilhões para o crédito rural no ano agrícola de 2022/23, correspondendo a cerca de 29% do total da produção agropecuária do país estimada em R$ 1,2 trilhão.[1] O Plano Safra também direciona recursos para o Programa de Subvenção ao Prêmio do Prêmio do Seguro Rural (PSR). Diante dos riscos crescentes de eventos climáticos extremos causados pelas mudanças climáticas, o seguro rural pode desempenhar um papel importante na redução dos riscos, protegendo as fontes de subsistência dos agricultores e garantindo a segurança alimentar.

Para desenvolver a agricultura sustentável de baixo carbono e resiliente às mudanças climáticas, é necessário investimento público e privado de longo prazo para a transição tecnológica. Pequenos agricultores devem ser priorizados devido à sua contribuição potencial para a conservação ambiental e segurança alimentar, e por conta da sua vulnerabilidade aos eventos climáticos extremos. O aprimoramento das políticas de gerenciamento de risco na agricultura também pode trazer impactos positivos significativos no setor via incentivo à adoção de práticas sustentáveis e resilientes de produção.

Frente ao atual cenário climático e agropecuário do país, o Climate Policy Initiative/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio), colíder da Força-Tarefa de Finanças Verdes da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, contribuiu, em parceria com a Agroicone, com propostas para impulsionar a sustentabilidade no Plano Safra 2023/2024.[2] Essas propostas foram enviadas à Secretaria de Política Agrícola (SPA) do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) e apontam os passos necessários para que o país avance em direção à agricultura sustentável e ao desenvolvimento econômico e social das regiões rurais mais vulneráveis. Esta nota técnica discute essas propostas e sua relevância para o contínuo aprimoramento do crédito e do seguro rural, visando a mitigação e a adaptação aos riscos climáticos no Brasil.

Proposta 1. Alinhar as regras do crédito rural à sustentabilidade e priorizar as linhas do ABC+

O primeiro conjunto de propostas tem como objetivo melhorar as normas e a alocação de recursos no crédito rural, priorizando linhas sustentáveis, com foco em práticas de baixa emissão de carbono e resilientes às mudanças climáticas.

O Programa ABC+, principal linha de crédito rural destinada a promover a preservação ambiental,  deve ser fortalecido, assim como a linha Pronaf ABC+, subprograma do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).

O Programa ABC+ financia produtores que adotam práticas adequadas, tecnologias adaptadas e sistemas produtivos eficientes que contribuam para a mitigação dos gases de efeito estufa.[3] Apesar de sua importância, o programa contou com uma previsão de R$ 6,2 bilhões de financiamento no ano agrícola 2022/23, o que representa apenas 1,8% do total do Plano Safra, ou 6,6% do total de recursos para investimento. Assim como o Programa ABC+, o Pronaf conta com linhas de investimento que produzem externalidades ambientais positivas, o Pronaf ABC+.[4]

É importante aumentar os recursos disponíveis para o Programa ABC+ e Pronaf ABC+ para R$ 8 bilhões e R$ 5 bilhões, respectivamente, e reduzir as taxas de juros em subprogramas específicos do Programa ABC+ e das linhas de crédito de investimento do Pronaf ABC+. Ademais, outras medidas relevantes incluem o aumento do limite de crédito rural de custeio agropecuário com recursos controlados para empreendimentos que possuem apólice de seguro rural vigente e a revisão das condições e exigências dos financiamentos do crédito rural, alinhando os incentivos aos objetivos de sustentabilidade.

A observância do Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC) em todas as operações de crédito rural é fundamental para minimizar os riscos agroclimáticos. Além disso, a comprovação da qualidade das pastagens para os financiamentos de investimento do Pronaf, Pronamp, Moderagro e financiamentos sem vínculo a programa específico para a aquisição de bovinos ajudará na identificação dos contratos com o potencial para reduzir impactos negativos ao meio ambiente. Em caso de degradação de pastagens, o crédito deve ser concedido em conjunto com a recuperação das pastagens e implementação de medidas de manejo, enquadrados em linhas específicas do ABC+.

A publicação dos dados para consulta na concessão de crédito rural, como parte da iniciativa Bureau de Crédito Rural Sustentável[5] (que integra a Agenda BC# Sustentabilidade do Banco Central do Brasil),[6] permitirá que as instituições financeiras tenham acesso a informações relevantes e possam, assim, esverdear suas carteiras. Sugere-se a inclusão de dados de desmatamento, qualidade de pastagens, potencial hídrico para irrigação e mapas do ZARC com níveis de manejo no Sistema de Operações do Crédito Rural e do Proagro (SICOR).[7]

Atualmente, o impedimento da concessão de crédito para imóveis com embargo existe apenas para o bioma Amazônia e para os embargos emitidos pelo Ibama. Por isso, também é necessário impedir a concessão de crédito em imóveis com desmatamento ilegal (exceto quando a propriedade já está em processo de regularização ambiental) e em áreas com embargos vigentes emitidos por órgãos ambientais federais e estaduais em todos os biomas.

A alocação de recursos em programas de crédito rural que priorizem práticas de baixa emissão de carbono e o fortalecimento de programas destinados à agricultura familiar são medidas que podem contribuir para a mitigação dos impactos ambientais da atividade agropecuária e viabilizar a transição tecnológica no campo. Por sua vez, a revisão das condições e exigências dos financiamentos de crédito rural, aliada ao aumento do fluxo de informações, pode ajudar a garantir a transparência e o comprometimento das instituições financeiras com objetivos de sustentabilidade. Finalmente, o impedimento da concessão de crédito em imóveis com desmatamento ilegal ou embargos vigentes por órgãos ambientais é uma medida importante para combater a degradação ambiental e o desmatamento.

Proposta 2. Aprimorar a gestão de riscos na agropecuária

O segundo conjunto de propostas visa aprimorar os instrumentos de gestão de riscos climáticos, ambientais e sociais no setor agropecuário, com destaque para o Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), fortalecendo a política agrícola do país por meio de medidas que protejam os produtores rurais e reduzam os impactos negativos dos eventos climáticos e socioambientais no setor.

A produção agropecuária brasileira enfrenta crescentes riscos decorrentes das mudanças climáticas, com eventos extremos se tornando mais frequentes, provocando quebras de safra expressivas e aumento no volume de indenizações no seguro rural. Em 2021/22, a forte estiagem levou as indenizações a crescerem mais de quatro vezes em relação à safra anterior, de acordo com dados da Superintendência de Seguros Privados (Susep),[8] ao passo que a procura pelo seguro rural triplicou nos últimos cinco anos, segundo a Confederação Nacional das Seguradoras (CNSeg).[9]

Diante deste cenário, a política pública para gerenciamento do risco agropecuário deve ser aperfeiçoada a fim de garantir os investimentos necessários à transição para uma produção de baixo carbono e para viabilizar a adaptação do setor à nova realidade climática. É fundamental incentivar a adoção de práticas modernas e sustentáveis, que contribuam para a adaptação, resiliência e mitigação no contexto das mudanças climáticas. Essas práticas, por sua vez, requerem investimentos consideráveis e instrumentos financeiros adequados para viabilizá-los. Nesse contexto, o PSR é particularmente relevante para mitigar os riscos e oferecer suporte aos produtores, especialmente aqueles com dificuldade de arcar com custos mais elevados das apólices. O programa subsidia parte do custo (prêmio) que o produtor rural arca para contratar apólices de seguro junto às seguradoras.

A garantia de R$ 2 bilhões em recursos para subvenção econômica do PSR é fundamental, tendo em vista que seus recursos podem ser contingenciados e sua execução comprometida.[10] Além disso, as medidas buscam priorizar a destinação dos recursos de subvenção para pequenos e médios produtores que atualmente contratam o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), a fim de ampliar o acesso ao PSR para esse público, bem como para produtores que adotam práticas agrícolas sustentáveis e tomam crédito ABC+. 

Outra medida importante é a implementação do ZARC Níveis de Manejo (ZARC NM) no seguro rural, especialmente no âmbito do PSR.[11] Isso envolve discutir e desenvolver um Plano de Implementação do ZARC NM junto às seguradoras para subscrição dos riscos com base no nível de manejo adotado. Por fim, as propostas visam à gestão integrada de riscos na agropecuária, por meio da disseminação das ações e estratégias adotadas no Programa Agro Gestão Integrada de Riscos (AGIR), em especial o incentivo à capacitação de peritos, profissionais responsáveis pela elaboração dos laudos técnicos e realização de vistorias do seguro rural.

Proposta 3. Priorizar a alocação de recursos dos Fundos Constitucionais para produtores de menor porte e para sustentabilidade (Programa ABC+ e Pronaf ABC+)

O terceiro conjunto de propostas aponta para melhorias na alocação de recursos dos Fundos Constitucionais de Financiamento (FCFs) para que possam promover o desenvolvimento sustentável através da adoção de tecnologias, melhoria de produtividade e resiliência nas propriedades rurais. É necessário o direcionamento de recursos dos FCFs para o Programa ABC+ e para o Pronaf ABC+. Além disso, os FCFs devem aprimorar seus instrumentos regulatórios e suas regras de financiamento, alinhando-os com o Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR) para harmonizar e simplificar o crédito rural.

Os FCFs são garantidos pela Constituição Federal e foram desenhados para promover o desenvolvimento econômico em municípios e setores vulneráveis das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Os recursos dos fundos são uma importante fonte de financiamento no crédito rural, representando cerca de 37% do total de recursos destinados ao investimento no Plano Safra 2021/22, considerando somente os recursos controlados.

No entanto, a alocação eficiente desses recursos ainda é um desafio, uma vez que as regras para definir os beneficiários prioritários são abrangentes e incluem praticamente todos os estabelecimentos rurais das regiões atendidas.[12] Essa expansão dos grupos considerados como prioritários ocorreu ao longo dos anos, contribuindo para a concentração dos recursos dos fundos, de modo que produtores maiores passaram a ter mais acesso aos recursos a cada revisão. Dessa forma, uma redefinição dos critérios e uma simplificação das regras podem auxiliar tanto na aplicação dos recursos como em uma melhor compreensão e avaliação do direcionamento da política.

Nesse sentido, a alocação dos recursos dos FCFs no Programa ABC+ e no Pronaf ABC+, com a destinação de parte desses recursos para financiar projetos de investimento, permitirá um melhor direcionamento do crédito para objetivos socioambientais e de desenvolvimento. Sugere-se o direcionamento de cerca de 10% do valor financiado para investimento pelos Fundos em práticas sustentáveis, e o estabelecimento de cronograma e metas para a incorporação dos critérios definidos pelo Programa ABC+ e linhas de crédito do Pronaf ABC+ na totalidade dos recursos de investimentos classificados como “sem vínculo a programa específico” até 2030.

Além disso, as propostas também incluem a possibilidade de inclusão de um limite de crédito de custeio com recursos controlados de crédito de custeio com recursos controlados dos FCFs, por meio da revogação da regra que exclui esse limite, e a harmonização dos critérios e incentivos dos FCFs para com o restante do Sistema Nacional de Crédito Rural.

Conclusão

O Plano Safra é uma ferramenta crucial para viabilizar o desenvolvimento de uma agropecuária sustentável no Brasil. Dada a significativa alocação de recursos públicos e subsídios na política agrícola, é essencial que esses recursos sejam bem direcionados, trazendo retornos para a sociedade por meio do incentivo à sustentabilidade da agropecuária e à preservação ambiental. O crédito rural pode conciliar produção e conservação, promovendo ganhos de produtividade e reduzindo as pressões sobre a vegetação nativa.

É fundamental que o Plano Safra traga melhores condições e incentivos a produtores que adotem práticas sustentáveis e estejam em conformidade com o Código Florestal, em todas as suas linhas e programas. Priorizar pequenos e médios agricultores pode aumentar a produtividade da terra e mitigar os impactos adversos ao meio ambiente. Uma abordagem sustentável e responsável para a agropecuária e o meio ambiente no Brasil começa com o Plano Safra.

Anexo: Propostas ao Plano Safra 2023/24

Tabela 1. Íntegra das Propostas da Coalizão Brasil ao Plano Safra 2023/24


As autoras gostariam de agradecer Wagner Oliveira, Natalie Hoover El Rashidy e Giovanna de Miranda pelo trabalho de revisão e edição de texto; e Nina Oswald Vieira pelo trabalho de formatação e design gráfico.


[1] MAPA. Valor da Produção Agropecuária de 2022 está estimado em R$ 1,185 trilhão. 2022. bit.ly/3oqSmU8.

[2] Informações detalhadas acerca das propostas podem ser acessadas na página de contribuições da Coalizão Brasil ao Plano Safra. 2023/24. bit.ly/40fXqIn. Ver também Notas Técnicas da Agroicone, colíder da Força-Tarefa de Finanças Verdes em bit.ly/3M75sPR.

[3] O Programa ABC+ faz parte do conjunto de estratégias do Plano Setorial de Adaptação à Mudança do Clima e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária (ou Plano ABC+), uma política pública composta por um grupo de ações que visam promover a ampliação da adoção de algumas tecnologias agropecuárias sustentáveis com alto potencial de mitigação das emissões de gases de efeito estufa e combate ao aquecimento global.

[4] Os subprogramas Pronaf ABC+ financiam investimentos em sistemas de produção e tecnologias sustentáveis. São eles: Pronaf ABC+ Bioeconomia, Pronaf ABC+ Agroecologia, Pronaf ABC+ Florestas e Pronaf ABC+ Semiárido.

[5] A Agenda BC# Sustentabilidade prevê a implementação de um Bureau de Crédito Rural Sustentável, uma ferramenta de open banking que permitirá diferenciar operações de crédito a partir de critérios de sustentabilidade. bit.ly/3GQcyFt.

[6] A Agenda BC# Sustentabilidade foi lançada em setembro de 2020 pelo Banco Central do Brasil e visa a promoção de finanças sustentáveis e redução de riscos socioambientais e climáticos na economia e no Sistema Financeiro. bit.ly/3mEQ7Mu.

[7] O SICOR é o sistema de dados administrativos do Banco Central do Brasil que contém informações detalhadas sobre os contratos de crédito rural no país.

[8] Souza, Priscila, Wagner Oliveira e Mariana Stussi. Desafios do Seguro Rural no Contexto das Mudanças Climáticas: o Caso da Soja. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2023. bit.ly/DesafiosDoSeguroRural.

[9] CNseg. Procura pelo Seguro Rural triplicou nos últimos 5 anos. 23 de Janeiro de 2023. bit.ly/3pdW7g5.

[10] O volume de recursos destinado para subvencionar apólices de seguro rural é determinado por decreto. Assim, o orçamento do PSR está sujeito à contingenciamento, o que por sua vez pode comprometer a sua execução e trazer insegurança para os produtores quanto à garantia de acesso aos subsídios para pagar os prêmios de seguro. 

[11] Neste novo zoneamento são considerados indicadores altamente correlacionados com o manejo e com o estresse hídrico, que possibilitam a divisão dos riscos em quatro níveis de manejo. Quanto maior o nível de manejo, maior a resiliência de estresses hídricos da cultura em questão e, consequentemente, maiores são as externalidades ambientais desejáveis.

[12] Souza, Priscila e Leila Pereira. Prioridades Que Não Priorizam: Descompasso Entre Objetivos e Aplicação de Recursos dos Fundos Constitucionais Levam à Concentração do Crédito no Setor Rural. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2022. bit.ly/Fundos-Constitucionais.

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