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Promover práticas sustentáveis na agropecuária é crucial para enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas. A extensão rural, isto é, o conjunto de iniciativas voltadas para difusão de conhecimento para produtores rurais, é fundamental para a implementação de técnicas modernas de manejo, que contribuem para reduzir impactos ambientais. No entanto, a adoção dessas práticas pode ser custosa, ainda que gere retorno econômico relevante via aumento de produtividade.[1] Diversos fatores, como restrições financeiras e menor escolaridade, podem gerar dificuldades para que os produtores rurais de fato implementem o conhecimento disponibilizado pela extensão rural.

O Brasil enfrenta desafios para tornar a produção agropecuária mais sustentável e reduzir pressões por desmatamento. Com esse objetivo, o Plano ABC,[2] elaborado para a década de 2011 a 2020 – e com uma nova fase chamada de Plano ABC+ para a década de 2021 a 2030 – é a principal iniciativa governamental para reduzir emissões na agropecuária brasileira, incluindo metas ambiciosas para recuperação de pastagens degradadas. Um dos projetos implementados na primeira fase foi o ABC Cerrado,[3] projeto de extensão rural que contou com cerca de R$ 23 milhões[4] para financiar o treinamento e a assistência técnica a produtores rurais para adoção de técnicas de manejo sustentáveis, com foco exatamente na restauração de pastagens degradadas. Destaca-se que mais da metade da área de pastagem no Brasil possui algum nível de degradação.[5]

Neste trabalho, pesquisadores do Climate Policy Initiative/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio) avaliam o impacto do treinamento e da assistência técnica do Projeto ABC Cerrado e apresentam possibilidades para canalizar recursos de forma a gerar maior adoção de práticas sustentáveis no campo. Em uma primeira avaliação, o trabalho de Bragança et al. (2022),[6] mostrou que, na média, a assistência técnica aos produtores rurais, combinada com o treinamento, gera incrementos relevantes na restauração de pastagens e na produtividade. No entanto, não há impacto quando o treinamento ocorre de maneira isolada. O presente trabalho estende a análise anterior para avaliar como os efeitos se diferenciam por porte do produtor.

Os resultados obtidos sugerem que o treinamento isoladamente só funciona para produtores de maior porte, o que traz o questionamento sobre quais características desses produtores possibilitam a implementação das técnicas ensinadas.[7] Enquanto a capacitação desacompanhada de assistência técnica não é eficaz para pequenos produtores, a assistência técnica traz um ganho para os produtores menores previamente treinados, lhes permitindo a adoção de fato das técnicas ensinadas. Por outro lado, a assistência técnica adiciona pouco para os produtores maiores, que já possuem capacidade de implementação apenas com o treinamento. Vale destacar que os efeitos foram avaliados no curto prazo e são derivados diretamente da intervenção. Ao implementar as técnicas e observar ganhos de produtividade, é possível que os produtores ampliem ainda mais suas práticas de restauro, assim como disseminem essas práticas para sua família, vizinhos, membros de cooperativas e em sua rede de contatos.

Dessa forma, há espaço para racionalizar o uso de recursos e tornar as políticas públicas mais efetivas. A oferta de cursos de treinamento é uma intervenção mais barata, que pode ser fornecida para todos os perfis de produtor e proporcionar um aumento significativo na restauração de pastagens para produtores de maior porte, mais escolarizados e com menores restrições financeiras. Já a oferta de assistência técnica, uma intervenção mais custosa, pode ser focalizada no pequeno produtor, geralmente menos escolarizado, com menor capacidade de investimento e mais dificuldade de acesso a crédito. É nesse público que a assistência técnica tem seus efeitos maximizados. Como a assistência acrescenta pouco ao produtor de maior porte, que consegue implementar as práticas só com o treinamento, a focalização da assistência para os menores é um caminho para facilitar a expansão de projetos de extensão rural e maximizar o impacto positivo sobre o uso da terra. Essa política pode ainda ser complementada por iniciativas que facilitem a assimilação do conteúdo e que aliviem as restrições financeiras para a implementação das práticas ensinadas.

PRINCIPAIS RESULTADOS E IMPLICAÇÕES DE POLÍTICA PÚBLICA

• A recuperação de pastagens degradadas aumenta a produtividade da pecuária, permitindo ao Brasil expandir a produção pecuária sem perda de vegetação nativa.

• Mais da metade de área de pastagem no país possui algum nível de degradação. É possível restaurar essas áreas com práticas adequadas de manejo. O Projeto ABC Cerrado busca capacitar produtores rurais para implementar tais práticas.

• A oferta de cursos de capacitação a fazendeiros de maior porte, mais escolarizados e com menores restrições financeiras, é suficiente para obter um efeito positivo em restauração de pastagens.

• Já para os produtores de menor porte, o treinamento não é eficaz isoladamente. No entanto, ao oferecer assistência técnica com visitas mensais para facilitar a implementação das tecnologias, o projeto consegue induzir a recuperação de pastagens.

• A assistência técnica após o curso de treinamento adiciona pouco ao produtor de maior porte: a implementação das tecnologias já ocorre apenas com o treinamento para esse grupo.

• Os efeitos das intervenções sobre a prática de rotação de pastagens ocorrem nas mesmas direções do que os reportados para restauração de pastagens.

• Como a assistência técnica é uma intervenção substancialmente mais cara, é possível ampliar a escala do projeto de forma custo-efetiva oferecendo treinamento a todos os perfis de produtor e assistência técnica focalizada nos pequenos produtores.

Avaliação do ABC Cerrado

O foco deste trabalho é entender como a capacitação dos produtores rurais oferecida pelo Projeto ABC Cerrado pode contribuir para a restauração de pastagens degradadas.[8] A degradação da pastagem decorre principalmente de práticas inadequadas de manejo, sendo caracterizada, por exemplo, pelo elevado nível de compactação do solo e pela presença de doenças, o que gera queda considerável de produtividade. A restauração consiste em um conjunto de práticas de manejo adequado dos solos e do cultivo de plantas forrageiras seguindo critérios específicos para cada área. A adoção desse tipo de prática reduz a necessidade de abrir novas áreas para pastagem, diminuindo a pressão por desmatamento. Ao melhorar a qualidade do solo e diminuir o risco de pragas, a prática aumenta a produtividade da pecuária, o que também reduz a necessidade de buscar aumento de produção de forma extensiva.

O trabalho avalia os impactos do projeto sobre a proporção de pastagens recuperadas e sobre a adoção ou não da prática de rotação de pastagens, que consiste na segmentação da área de pastagem e rodízio do gado entre essas áreas, permitindo que as pastagens se recuperem em períodos de pousio entre os ciclos de pastejo.

O Projeto ABC Cerrado inclui dois tipos de extensão rural: treinamento e assistência técnica. O treinamento consiste em cursos de 56h ministrados por instrutores treinados pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar). Os cursos analisados consistem em aulas expositivas para grupos de cerca de 20 produtores rurais a respeito de técnicas relacionadas à restauração de pastagens degradadas. Já a assistência técnica é baseada em visitas mensais (ao longo de 20 meses) de técnicos às propriedades, que elaboram um plano de ação customizado para implementação dessas práticas, acompanhando e auxiliando o produtor ao longo de todo o processo.

Esta análise utiliza dados do Projeto ABC Cerrado em que os fazendeiros foram sorteados em três grupos diferentes: grupo de controle, que não recebeu nenhuma intervenção, um grupo que foi apenas treinado e um grupo que, além do treinamento, também recebeu a assistência técnica. Mais informações sobre o desenho da avaliação podem ser consultadas na seção Metodologia no final do documento.

A amostra estudada é composta por produtores rurais interessados em restauração de pastagens. A maioria desses fazendeiros é de pequeno porte: 72% possuíam propriedades com área menor que 4 módulos fiscais[9] e 84% declararam uma Receita Bruta Agropecuária Anual (RBA) menor que R$ 360 mil[10] em 2017. Para entender como os efeitos variam de acordo com o tamanho da propriedade, os resultados são apresentados de forma separada para produtores com área até 100 hectares e acima de 100 hectares, valor próximo à mediana da área na amostra.

O principal resultado da análise é que o treinamento isolado só tem efeito positivo em propriedades maiores, enquanto a assistência técnica para o produtor que já tenha sido previamente treinado só tem efeito em propriedades menores, como mostra a Figura 1. O efeito conjunto de treinamento com assistência técnica é positivo para todos os portes de produtores, tanto no restauro de pastagens, quanto na adoção da prática do pastejo rotacionado.

Para produtores em propriedades rurais de mais de 100 hectares, o treinamento quase dobra a parcela da área de pastagem que foi restaurada. Mais precisamente, ter participado do treinamento implica em 3,8 pontos percentuais a mais na proporção de pastagens restauradas (sobre uma média de 4,3% para os que não foram treinados). Em termos absolutos, isso implica um acréscimo de cerca de 15 hectares recuperados por produtor de maior porte treinado.[11] Além disso, o treinamento aumenta em 13 pontos percentuais a probabilidade de adoção da prática de rotação nas pastagens (sobre uma média de 40,4% dos que não receberam treinamento). Esses resultados sugerem que, para este público, o treinamento é suficiente para gerar efeitos positivos. Contudo, não é possível afirmar que esses fazendeiros de maior porte aumentam a adoção de práticas sustentáveis com a assistência técnica recebida após o treinamento, pois os efeitos encontrados não são estatisticamente significativos.

Figura 1. Efeitos do Treinamento e da Assistência Técnica sobre a Proporção de Pastagens Restauradas e a Adoção da Rotação de Pastagens

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Nota: Os coeficientes mostrados nos gráficos são diferenças de médias entre os grupos ajustadas por uma série de controles, comparando da seguinte forma: 1) O efeito do treinamento é dado pela diferença entre T1 e T0; 2) O efeito da assistência técnica para produtores previamente treinados é dado pela diferença entre T2 e T1. Os coeficientes são significativos a um nível de significância estatística de 90%.
Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados de Bragança et al., 2022

Já para os fazendeiros de menor porte (100 hectares ou menos), o treinamento isoladamente não apresentou efeito significativo nas práticas de restauro e rotação. Por outro lado, quando combinado com a assistência técnica, os produtores adotaram de fato as práticas ensinadas. Para esses produtores menores, a assistência técnica aumentou em quase dez pontos percentuais a proporção de pastagens restauradas (sobre uma média de 6,3% entre os que só foram treinados) e em 14,4% a probabilidade de adotar a prática de rotação (sobre uma média de 39,2% entre os que só foram treinados). Em termos absolutos, estima-se que cada produtor nesse grupo consegue recuperar em média cinco hectares de pastagem com a assistência técnica.[12] Para esse público, os resultados sugerem que o treinamento é insuficiente para promover a adoção das práticas e a combinação com a assistência técnica torna-se crucial.

Vale destacar que os efeitos estimados capturam apenas o efeito direto da política no curto prazo, medido imediatamente após a intervenção. É esperado que, ao implementar as técnicas e observar ganhos de produtividade, os produtores continuem a ampliar a proporção de pastagens recuperadas e a adoção de práticas como a do pastejo rotacionado ao longo do tempo.

Considerando a totalidade das propriedades na amostra sem distinção de tamanho, os efeitos médios do treinamento não são significativos, o que corrobora estudos anteriores.[13] No entanto, os efeitos da combinação do treinamento com a assistência técnica são positivos e significativos, como demonstrado por Bragança et al. (2022). Produtores que foram alvo da intervenção combinada restauraram mais áreas de pastagem, adotaram mais frequentemente boas práticas de gestão rural e de conservação ambiental, investiram mais em insumos e maquinário e ainda obtiveram maiores ganhos de produtividade.

O presente trabalho mostra uma importante heterogeneidade por trás desses resultados: o efeito desejado da política é atingido com o treinamento para produtores maiores, que dependem menos da assistência técnica para a implementação das práticas. Por outro lado, o pequeno produtor depende fortemente da assistência técnica para conseguir implementar as tecnologias.

Essa heterogeneidade entre produtores de maior e menor porte pode ter diversas explicações. Em primeiro lugar, o tamanho da propriedade está relacionado com a capacidade de os produtores fazerem investimentos próprios, o que pode impactar o restauro. Nesse aspecto, os pecuaristas maiores, que possuem mais renda e terra, encontram-se em posição vantajosa em relação aos pequenos produtores. Como mostra a Tabela 1, produtores de maior porte apresentam maior propensão a investir em equipamentos como tratores, maquinário, veículos ou implementos. Observa-se que 79% desses produtores reportam possuir esses equipamentos antes do experimento, comparado com 60% entre os pequenos. Além disso, 60% pretendem investir mais nesses equipamentos nos próximos anos, comparado com 47% entre os pequenos.

Tabela 1. Características dos Produtores de acordo com a Área da Propriedade (%)

Nota: Os valores mostram o percentual de produtores de cada tamanho de propriedade que apresentam a característica de cada linha. Todos os valores se referem ao período anterior ao experimento, evitando confundir as medidas com possíveis efeitos que a própria intervenção possa ter tido sobre as respostas.
Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados de Bragança et al., 2022

Além dos recursos próprios, produtores maiores também pretendem contratar operações de crédito rural com mais frequência, o que pode ajudar a financiar equipamentos de maior valor: 68% dos produtores maiores têm intenção de contratar crédito, comparado com 54% entre os pequenos. Essa diferença pode refletir uma maior restrição a crédito para os pequenos produtores.

A escolaridade é outro fator relevante que pode estar relacionado com a capacidade de aprendizado e implementação das técnicas. Produtores de maior porte tendem a ser mais escolarizados na média: 31% dos produtores em áreas acima de 100 hectares possuem curso superior completo, proporção que é de 18% entre os pequenos produtores. A proporção de produtores com pelo menos o ensino médio completo também é mais elevada entre os produtores maiores.

Por fim, produtores maiores também tendem a contratar assistência técnica por conta própria mais frequentemente e têm uma proporção maior de técnicos ou administradores que participaram do projeto. No entanto, como as proporções nos dois grupos são baixas, nenhum desses fatores parecem ser relevantes para explicar os resultados encontrados.

Para testar a relevância desses mecanismos para explicar os resultados apresentados na Figura 1, foram calculados os efeitos do projeto interagindo a variável de tamanho da propriedade com algumas das características apresentadas na Tabela 1.[14] Alguns padrões interessantes foram encontrados.

Tanto o efeito do treinamento para os produtores de maior porte quanto o efeito da assistência técnica para os pequenos produtores são significativos apenas para aqueles que possuíam equipamentos antes do experimento. Para os que não possuíam, os efeitos não são estatisticamente significativos. Há um padrão bastante similar para a intenção de contratar operações de crédito. Esses resultados, que valem tanto para restauro quanto para rotação, sugerem que o custo de implementação das técnicas pode ser importante, pois ter mais acesso a recursos está correlacionado à implementação das técnicas ensinadas.

Maior escolaridade também parece importante para maximizar os efeitos da extensão rural. No caso da rotação de pastagens, tanto o efeito do treinamento para os produtores de maior porte quanto o efeito da assistência técnica para os de menor porte são mais fortes para quem tem pelo menos o ensino médio completo. Para a proporção de pastagens restauradas, o efeito da assistência técnica para os pequenos também é mais forte para quem tem ensino médio. Produtores de maior porte apresentam efeito similar do treinamento tendo ou não ensino médio.

Essas estimativas sugerem que todas essas características estão associadas com os resultados de restauro e rotação de pastagens. É importante que pesquisas futuras aprofundem essa investigação dos mecanismos, buscando explicar principalmente as limitações associadas aos efeitos do treinamento para produtores de menor porte.

Consequências para a Política Pública

A análise de impacto do ABC Cerrado gera evidências sobre os efeitos da extensão rural na adoção de práticas sustentáveis de manejo agropecuário. Este trabalho mostra que o efeito do treinamento através de cursos sobre a restauração e rotação de pastagens só é positivo e significativo em propriedades de maior porte. Produtores de menor porte que recebem o treinamento adotam tais práticas com intensidade similar aos que não foram alvo da intervenção. Produtores de menor porte que além do treinamento recebem assistência técnica melhoram significativamente seus resultados. Já os produtores de maior porte não têm um incremento relevante de resultados com a assistência técnica em relação ao efeito que já é atingido com o treinamento.

Há uma série de mecanismos que podem explicar por que o treinamento é insuficiente para a adoção das práticas sustentáveis pelo pequeno produtor. Em primeiro lugar, produtores com menos recursos possuem menor capacidade de investir quando comparados a produtores de maior porte, o que cria restrições para arcar com as despesas associadas à implementação das novas tecnologias. Em segundo lugar, produtores maiores têm, em geral, melhor acesso a crédito, pois têm mais condições de oferecer garantias. Com a disponibilidade de melhores serviços financeiros, produtores maiores podem acessar instrumentos para gerenciamento do risco como o seguro rural, o que favorece o investimento e a modernização. Em terceiro lugar, as práticas ensinadas podem ter economias de escala relevantes, facilitando a implementação por produtores de maior porte. Por fim, produtores de maior porte tendem a ser mais escolarizados, possuindo maior capital humano e, portanto, maior capacidade para compreender e se beneficiar do treinamento.

Os resultados apresentados trazem considerações importantes para os formuladores de políticas públicas. A principal implicação desse trabalho é que os componentes da política de extensão rural podem ser focalizados para diferentes perfis de produtor. Oferecer o treinamento pode ser suficiente para produtores maiores, que possuem melhores condições de implementar as práticas ensinadas. Já os produtores menores precisam da assistência técnica para avançar na restauração de pastagens.

O treinamento é uma intervenção consideravelmente mais barata do que a assistência técnica. Estima-se que o custo do treinamento por produtor no projeto foi de R$ 1.100 enquanto o da assistência foi de R$ 5.700, portanto mais de cinco vezes maior do que o custo do treinamento.[15] Logo, para ser implementada em uma escala maior com uma boa relação custo-efetividade, a política pública pode oferecer o treinamento para todos os portes de produtores e focalizar a assistência técnica para produtores menores.

Os efeitos encontrados nessa avaliação são de curto prazo. É esperado que esses retornos sejam maiores no longo prazo. Isso porque os produtores tendem a ampliar o investimento em práticas de restauro na medida em que observem ganhos de produtividade com a adoção das técnicas ao longo do tempo. Além disso, os produtores que participaram da extensão rural tendem a difundir os conhecimentos sobre as práticas de restauração para seus familiares, vizinhos, membros de cooperativas e outros contatos.

Encontrar mecanismos para ampliar as pastagens restauradas é fundamental para reduzir significativamente os impactos ambientais em um país em que a perda de vegetação nativa é a principal responsável pela emissão de gases de efeito estufa.[16] Portanto, a associação do treinamento através de cursos com outras intervenções é crucial para maximizar os efeitos positivos sobre o uso da terra para pequenos produtores. No ABC Cerrado, a assistência técnica foi essencial para que as práticas sustentáveis fossem implementadas.

O Plano ABC+ possui metas ambiciosas para a promoção de práticas agrícolas sustentáveis para o período 2021 a 2030. Entre essas metas está recuperar 30 milhões de hectares de pastagens degradadas, que tem potencial para reduzir as emissões em 113,7 milhões de toneladas de CO2 equivalente. O Projeto ABC Cerrado, implementado na primeira fase do Plano ABC, traz evidências relevantes para os formuladores de políticas sobre como desenvolver e aprimorar programas de extensão rural. A experiência do projeto revela que os ganhos de produtividade, o uso mais eficiente da terra, a redução do impacto ambiental e o baixo custo relativo da intervenção justificam que o treinamento com cursos seja acompanhado de assistência técnica para o pequeno produtor.

Metodologia

Os dados deste trabalho são de uma avaliação randomizada do Projeto ABC Cerrado, financiada pelo Banco Mundial e implementada pelo Senar. Os primeiros resultados foram publicados por Bragança et al. (2022). A coleta de dados para avaliação do treinamento e da assistência técnica dos produtores ocorreu em dois momentos: antes do treinamento (em 2017) e próximo ao final do período de assistência técnica (em 2019). Foram coletadas diversas informações sobre a adoção de práticas sustentáveis, o perfil do produtor e da propriedade, valores dos gastos e receitas com a atividade rural.

Como mostra a Figura 2, a análise se concentra no conjunto de 1.369 produtores inicialmente interessados em assistência técnica, que foram aleatoriamente selecionados para três grupos: os que não foram alvo de nenhuma intervenção (nem treinamento, nem assistência técnica), os que completaram o treinamento, mas não receberam assistência técnica, e os que completaram o treinamento e receberam assistência. O Senar tentou coletar amostras sorteadas de igual tamanho para cada um desses grupos. No primeiro grupo, foi possível obter dados de 213 dos 663 fazendeiros (grupo T0). No segundo grupo, foram obtidos dados de 252 dos 395 fazendeiros (grupo T1) e, no terceiro grupo, 276 de 311 (grupo T2). A amostra completa do estudo contém, portanto, 741 produtores rurais.

Figura 2. Seleção da Amostra de Produtores Rurais

Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados de Bragança et al., 2022

Para medir o efeito causal do treinamento sobre a adoção de práticas sustentáveis, calculou-se a diferença entre a média da variável de interesse no grupo sorteado para receber apenas o treinamento (T1) e no grupo que não foi alvo de nenhuma intervenção (T0). Já o efeito da assistência técnica, dado que os produtores foram previamente treinados, é calculado a partir da comparação entre o grupo que recebeu as duas intervenções (T2) e o grupo que recebeu apenas o treinamento (T1). Por fim, o efeito combinando as duas intervenções é calculado a partir da diferença entre o grupo que recebeu todas as intervenções (T2) e o grupo de controle sem nenhuma intervenção (T0).

Em todos os casos, as médias de cada grupo são ajustadas por uma série de características dos produtores: ano de nascimento e sexo do produtor rural, variáveis que indicam se o produtor vive na fazenda, se a fazenda é sua principal fonte de renda e se é membro de uma cooperativa. Isso significa que os efeitos encontrados não podem ser atribuídos a quaisquer diferenças que possam existir nessas características entre os grupos avaliados. Como houve um sorteio para definir a participação em cada grupo, essas diferenças, mesmo que existam, são pequenas e não afetam o resultado de forma relevante. O ganho na inclusão dessas variáveis se dá pelo aumento da precisão das estimativas.

Para separar os produtores de acordo com o porte, utilizou-se o valor de 100 hectares, que é aproximadamente a mediana da área da propriedade reportada no período anterior à realização do experimento (que é de 102 hectares). A escolha do valor de 100 hectares para separar a amostra por porte do produtor teve o objetivo de simplificar a exposição. Os resultados são os mesmos se utilizarmos precisamente o valor de 102.

A distribuição de produtores por área é mais homogênea até os 100 hectares, dado que o primeiro quartil é definido entre 0 e 46 hectares, portanto bem próximo de 50. Já acima dos 100 hectares, há produtores de perfil bastante heterogêneo. Ainda que o terceiro quartil seja limitado em 250 hectares (logo um quarto da amostra encontra-se entre 100 e 250), o último quartil da amostra varia de 250 até mais de 2.000 hectares. Isso explica por que a área média da propriedade para os produtores acima da mediana, calculada em 427 hectares para a amostra completa (T0, T1 e T2), é bem superior ao valor do terceiro quartil da amostra.

Os resultados detalhados da avaliação de acordo com o porte do produtor são apresentados na Tabela 2 a seguir.

Tabela 2. Resultados das Estimações dos Efeitos do Treinamento e da Assistência Técnica por Porte do Produtor

Nota: A tabela reporta resultados da avaliação randomizada do Projeto ABC Cerrado. Os coeficientes são oriundos de regressões lineares onde a variável dependente é a proporção de pastagens recuperadas (%) no painel A e uma indicadora (0/1) se o produtor adota pastejo rotacionado no painel B. Na coluna T1 vs T0, o regressor é uma indicadora igual a 1 se o produtor participou apenas do treinamento, e 0 caso esteja no grupo de controle, que não foi alvo de nenhuma intervenção. Na coluna T2 vs T1, a indicadora é igual a 1 se o produtor recebeu, além do treinamento, a assistência técnica, e 0 caso tenha recebido apenas o treinamento. Trata-se, portanto, do efeito da assistência técnica para os produtores previamente treinados. Na coluna T2 vs T0, a comparação se dá entre produtores que receberam a intervenção completa (treinamento e assistência técnica) e o grupo de controle sem nenhuma intervenção. Nesse caso, tem-se o efeito total da política. Todas as regressões são controladas pelo ano de nascimento e o sexo do produtor, além de variáveis que indicam se o produtor mora na propriedade, se a fazenda é a sua principal fonte de renda e se faz parte de cooperativa. A primeira linha apresenta os efeitos médios. A segunda e a terceira linha reportam efeitos heterogêneos de acordo com o tamanho do produtor, definido como acima ou até o valor de 100 hectares, que é aproximadamente igual à mediana da área da propriedade reportada antes do experimento, de 102 hectares. Os erros padrão robustos à heterocedasticidade são reportados entre parênteses. * denota p-valor do teste de significância estatística menor que 0,1; ** menor que 0,05; e *** menor que 0,01.
Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados de Bragança et al., 2022


Os autores agradecem a Cristine Camboim (Senar), Diego de Faveri (FGV EBAPE), Sidney Medeiros (Ministério da Agricultura) e Soraya Araújo (Ministério da Agricultura) pelas valiosas discussões. Também gostariam de agradecer a Beatriz Baptista pelo suporte para pesquisa e a Juliano Assunção, Natalie Hoover El Rashidy, Giovanna de Miranda e Camila Calado pelos comentários e trabalho de revisão e edição de texto. Agradecem ainda a Nina Vieira e Julia Berry pelo trabalho de design gráfico.


[1] Por exemplo, para a bovinocultura de corte, estima-se que as áreas de pastagem recuperadas por meio das técnicas do ABC Cerrado apresentam ganhos de produtividade da ordem de 1,8 unidade animal a mais por hectare, além de ganho de peso médio de 500g/dia e redução de 17 meses no tempo de abate (CNA. ABC Cerrado. Cerimônia de Apresentação de Resultados. 2019. bit.ly/3gn6dqw. Data de acesso: 22 de setembro de 2022).

[2] O Plano ABC é o Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbonona Agricultura.

[3] O projeto é implementado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) e o Banco Mundial, que financiou o projeto.

[4] O valor anunciado do financiamento do projeto foi de US$ 10,3 milhões. Para chegar aos R$ 23 milhões, foi aplicado o ajuste por paridade de poder de compra (US$ PPP), considerando a média do fator de conversão entre 2017 e 2020 divulgado pelo Banco Mundial (World Development Indicators).

[5] MapBiomas. A evolução da pastagem nos últimos 36 anos. 2021. bit.ly/3yTzEHa. Data de acesso: 07 de outubro de 2022.

[6] Bragança, A. et al. “Extension services can promote pasture restoration: Evidence from Brazil’s low carbon agriculture plan”. Proceedings of the National Academy of Sciences 119, no. 12 (2022). bit.ly/3wpdhsN.

[7] Os produtores estudados estão em uma das seguintes situações: 1) não receberam treinamento nem assistência técnica; 2) receberam apenas treinamento; 3) receberam treinamento e assistência técnica.

[8] O projeto também capacita produtores em diversas outras técnicas como o sistema de plantio direto, a integração lavoura-pecuária-floresta e o cultivo de florestas.

[9] O módulo fiscal é uma unidade de medida, em hectares, cujo valor é fixado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) para cada município e que corresponde à área mínima necessária a uma propriedade rural para que sua exploração seja economicamente viável. O tamanho do módulo fiscal pode variar bastante de acordo com o município. Por exemplo, há municípios em que o módulo fiscal equivale a uma área de 5 hectares e outros em que chega a 110 hectares. O tamanho médio em hectares das propriedades analisadas é de 242 hectares, mas metade da amostra é composta por propriedades com menos de 100 hectares. Mais detalhes sobre os módulos fiscais podem ser consultados em Embrapa. Módulos Fiscais no Brasil. sd. bit.ly/3Te0OAI. Data de acesso: 06 de setembro de 2022.

[10] Originalmente, o programa estabelecia como critério de elegibilidade que os produtores fossem de porte médio: aqueles com área acima de 4 módulos fiscais, receita anual maior que R$ 360 mil e maior número de trabalhadores contratados do que familiares. No entanto, esses critérios foram flexibilizados, permitindo propriedades menores desde que o produtor satisfizesse pelo menos o critério de receita ou o de trabalhadores. Na prática, quase todos os produtores da amostra cumpriam o requisito de trabalhadores (96%). Mais informações sobre os critérios do programa podem ser consultadas em Senar. Senar quer capacitar o maior número de produtores no Projeto ABC Cerrado. bit.ly/3s9COTq. Data de acesso: 08 de setembro de 2022.

[11] A área média da propriedade para esse grupo é de 401,7 hectares. Multiplicando esse número pelo efeito do treinamento (3,8%), chega-se em 15,3 hectares.

[12] A área média da propriedade para esse grupo é de 49,7 hectares. Multiplicando esse número pelo efeito da assistência técnica para produtores previamente treinados (9,8%), chega-se em 4,9 hectares.

[13] Anderson R., Feder G. “Agricultural extension”. In Evenson, Robert e Prabhu Pingali. Handbook of Agricultural Economics, vol. 3, p. 2343-2378. Amsterdam: North-Holland, 2007.

[14] Nesse caso, os resultados são estatisticamente menos precisos devido à restrição no tamanho da amostra.

[15] O custo referente ao componente de treinamento do projeto foi de R$ 6,4 milhões, enquanto o componente de assistência técnica custou R$ 11,2 milhões. A estimativa de custo por produtor foi obtida dividindo-se cada valor respectivamente pelo número de produtores que foram treinados (5.843) e pelo número de produtores que receberam assistência técnica (1.957). Essa estimativa não incorpora os R$ 5,8 milhões de custos administrativos do programa que, somados com os custos de cada componente, resulta nos R$ 23 milhões mencionados na introdução. Os valores em US$ foram obtidos de Bragança et al. (2022) e convertidos em R$ utilizando o critério de paridade de poder de compra (PPC) pela média entre 2017 e 2020.

[16] Gandour, Clarissa e João Mourão. Proteção Florestal e a Mitigação das Mudanças Climáticas. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2022. bit.ly/3gnVpZu.

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