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Foto: Cristina Leme Lopes

O Código Florestal, principal política pública de conservação em áreas privadas, impõe condições para a supressão de vegetação nativa, exigindo tanto a autorização prévia do órgão ambiental competente quanto a reposição florestal. Nesse contexto, a reposição florestal pode ser entendida como mecanismo de compensação ambiental pelo desmatamento autorizado. O responsável pela supressão deve promover o plantio de árvores com espécies preferencialmente nativas, mas a legislação brasileira também prevê outras modalidades de reposição florestal, como o pagamento em dinheiro ou a comprovação de plantio por terceiro.

A existência de um instrumento jurídico para compensar a supressão de vegetação é particularmente relevante num contexto de altos índices de desmatamento, especialmente nos biomas Amazônia e Cerrado. Tais biomas concentram a expansão da fronteira agrícola no país e têm atingido números expressivos de perda de vegetação nativa. No bioma Amazônia, houve um salto acentuado de 76% no desmatamento entre 2018 e 2021.[1] No Cerrado, dados do Deter[2] mostram número recorde de 4.408 km² desmatados apenas no primeiro semestre de 2023.
O desmatamento contribui diretamente para o agravamento das mudanças climáticas e perda
de biodiversidade.

A nova edição do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia Legal (PPCDAm)[3] apresenta o compromisso de reduzir a perda de vegetação nativa na Amazônia e alcançar o desmatamento zero até 2030. A noção de desmatamento zero, no âmbito do Plano, inclui a compensação pelo desmatamento legal. Isso aponta para uma oportunidade de fortalecimento da reposição florestal como mecanismo de compensação da supressão autorizada de vegetação nativa.

Além disso, aproximadamente 100 milhões de hectares de vegetação nativa em áreas privadas são passíveis de supressão autorizada. Do total, mais de 50% se encontram em imóveis rurais na Amazônia e no Cerrado: aproximadamente 9% na Amazônia e 44% no Cerrado.[4] O desmatamento dessas áreas implicaria grandes danos ambientais, que vão além da perda de matéria-prima florestal, incluindo também perda de biodiversidade, maiores emissões de gases de efeito estufa e perda de serviços ecossistêmicos. Nesse sentido, a reposição florestal é um importante instrumento de política pública ambiental; se bem regulamentada e implementada, ela pode promover a restauração de áreas prioritárias para a conservação e um melhor desenho da paisagem.

O Climate Policy Initiative/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio) analisou as legislações florestais dos estados da Amazônia e do Cerrado, com o objetivo de avaliar as oportunidades e os desafios de aprimoramento das normas sobre reposição florestal para que esse mecanismo promova: (i) uma compensação efetiva do desmatamento legal e (ii) a restauração de áreas prioritárias para conservação, contribuindo para um melhor desenho da paisagem e conectividade das áreas protegidas.

Esta publicação revisa e atualiza o mapeamento e a análise da legislação de reposição florestal dos estados da Amazônia e do Cerrado, previamente publicados em 2021.[5] Além disso, pesquisadoras do CPI/PUC-Rio aplicaram questionários individuais sobre a implementação da reposição florestal nos estados e promoveram um workshop presencial sobre o tema, no Rio de Janeiro, em 13 de setembro de 2022. O workshop contou com a participação de um ou mais representantes do Ibama e dos estados da Amazônia -— Acre, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará e Rondônia, com exceção do Amapá e Roraima -— e do Cerrado -— Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Piauí e Tocantins, com exceção do Distrito Federal e Paraná. Apenas os estados que participaram do workshop são objeto de análise neste trabalho.

DESTAQUES:

•  A reposição florestal pode promover a restauração de áreas prioritárias para a conservação e um melhor desenho e conectividade da paisagem, apenas com uma implementação inovadora das modalidades já existentes para o cumprimento da obrigação, como, por exemplo, uma gestão mais eficiente dos recursos arrecadados a título de taxa de reposição florestal.

• A reposição florestal ainda é regulamentada e implementada na maioria dos estados da Amazônia e do Cerrado sob a lógica do abastecimento de produtos florestais para o mercado consumidor. Trata-se de uma visão ultrapassada de que a floresta é apenas um estoque de biomassa. As métricas de reposição são calculadas com base no volume de madeira, lenha ou carvão; permitem (e até incentivam) o plantio de espécies exóticas; e o reflorestamento é feito em área bem menor que a área de vegetação nativa suprimida.

• A maioria dos estados da Amazônia e do Cerrado são resistentes a uma mudança de paradigma na adoção do conceito da reposição florestal como mecanismo de compensação ambiental pela perda de vegetação nativa, biodiversidade e serviços ecossistêmicos. Esses estados continuam compreendendo a reposição florestal como mecanismo para garantir o fornecimento de matéria-prima florestal; e alguns entendem ainda que seria necessário regulamentar a compensação florestal como instrumento distinto da reposição florestal.

• A nova regulamentação da reposição florestal de Goiás, adotada em 2022, representa um retrocesso para a agenda ambiental. A lei goiana estabelece isenções à obrigação de compensação florestal (denominação goiana para a reposição florestal decorrente de desmatamento legal) que a tornam exceção e não regra, já que as atividades com maior impacto na conversão do uso do solo, como é o caso das atividades agropecuárias, são isentas da obrigação.

Reposição Florestal como Mecanismo de Restauração de Áreas Prioritárias para Conservação

Os estados da Amazônia e do Cerrado estabelecem diversas modalidades de cumprimento da reposição florestal, incluindo o plantio direto (com espécies nativas ou exóticas) em terras próprias ou de terceiros; a aquisição de créditos de reposição florestal, por meio da comprovação de plantio por terceiro; e o pagamento em dinheiro, por meio de taxas de reposição florestal. Na maioria dos estados, as métricas para o cálculo da reposição se baseiam no volume de matéria-prima consumido e não levam em consideração os critérios ecológicos da área desmatada, com a exceção de São Paulo.

Mesmo sem adotar critérios ambientalmente mais adequados no cálculo, a implementação da reposição florestal pode ser mais efetiva e promover a restauração de áreas prioritárias para a conservação apenas com a aplicação inovadora das modalidades já existentes nos estados.

De acordo com os representantes dos governos estaduais, o pagamento da taxa de reposição florestal para um fundo estadual ou conta específica, nos estados em que ela é regulamentada — Amazonas, Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais e Pará — , é a opção mais adotada pela praticidade e facilidade de quitação da obrigação. Entretanto, na prática, os recursos arrecadados a título de reposição florestal não são direcionados a projetos de restauração florestal. Na maioria dos estados, a regulamentação dos fundos é falha com relação à destinação dos recursos. Em Goiás, Maranhão e Pará, os recursos provenientes do pagamento da taxa de reposição florestal não têm vinculação com atividades de restauração florestal e podem ser usados para diferentes fins. Além disso, por falta de transparência dos dados públicos, não foi possível identificar o total arrecado, o volume e a destinação dos recursos.

Mesmo nos estados em que os recursos são vinculados, como é o caso de Minas Gerais, eles não estão sendo direcionados para atividades de restauração florestal. De acordo com o Portal da Transparência de Minas Gerais, os valores arrecados de reposição florestal são bastante expressivos. Em 2022, foram pagos mais de 30 milhões de reais e, de janeiro a julho de 2023,[6] já entrou na conta do Instituto Estadual de Florestas (IEF) do estado mais de 12 milhões de reais.[7] Porém, aparentemente, os recursos não estão sendo destinados para as finalidades previstas. Em pesquisa no Portal da Transparência, não foi possível identificar nenhum gasto do IEF para programas de reflorestamento ou atividades associadas.

Na Bahia, os recursos de reposição florestal que são direcionados ao Fundo Estadual de Recursos para o Meio Ambiente (FERFA) devem ser destinados, preferencialmente, a projetos de plantio e condução de espécies florestais — com a finalidade de produção madeireira em áreas subutilizadas ou abandonadas, localizadas fora das APPs — e ao plantio de espécies nativas em florestas de domínio público. Entretanto, esses recursos estão contingenciados, e não houve o lançamento de nenhum edital para a execução de projetos de reflorestamento ou de restauração.

No Mato Grosso, os recursos da taxa de reposição florestal arrecadados pelo Fundo de Desenvolvimento Florestal são vinculados e destinados, prioritariamente, para assegurar ao estado a oferta de matéria-prima para a indústria madeireira, para os utilizadores de matéria-prima florestal energética e para os demais consumidores, de forma sustentada e permanente, estimulando a produção de madeira e lenha. Ou seja, o fundo se pauta totalmente pela lógica do abastecimento de matéria-prima florestal para o mercado consumidor; o estado perdeu a chance de inovar prevendo destinação para o restauro de áreas prioritárias para a conservação. Apesar disso, a regulamentação do fundo também prevê a destinação para atividades de reflorestamento, de forma genérica, e poderá ser usada para promover uma efetiva compensação ambiental.

Observa-se, assim, que, se os recursos arrecadados forem bem gerenciados e direcionados, permitirão o ganho de escala em projetos de restauração e a recuperação de áreas prioritárias para a conservação. Além disso, os estados podem implementar arranjos mais modernos de gestão dos recursos, seja terceirizando a gestão para uma organização especializada, seja promovendo novas estruturas financeiras que incluam diferentes fontes de recursos, como públicos, privados e filantrópicos, conhecidas por blended finance, para dar maior escala aos projetos, podendo ter um impacto ainda maior.

Redefinindo o Conceito e as Métricas de Reposição Florestal

A ideia de que a área explorada para a obtenção de recursos florestais deve ser reflorestada para garantir o estoque de madeira e lenha é antiga no nosso ordenamento jurídico. Porém, somente a partir do Código Florestal de 1965 (Lei Federal nº 4.771/1965) e da criação do Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal (IBDF), em 1967, a reposição florestal ganhou importância e foi efetivamente regulamentada.

A reposição florestal foi instituída com o objetivo de garantir o estoque para grandes consumidores de matéria-prima florestal, como a indústria de construção civil, mobiliária, papel e celulose e siderurgia. Essas indústrias eram obrigadas a “repor” o volume de vegetação nativa utilizado por meio do plantio de árvores, de acordo com o princípio da equivalência, isto é, o plantio deveria ser suficiente para cobrir o consumo.

A legislação brasileira evoluiu, e a reposição florestal passou a ser obrigatória não apenas para consumidores de vegetação nativa, mas também para quem promovesse a supressão de vegetação para práticas agropecuárias, para a implantação de infraestrutura e qualquer outro uso alternativo do solo. Todo desmatamento legal passou, assim, a exigir a reposição florestal. Com essa mudança, a reposição florestal deveria ser um instrumento de compensação ambiental pela perda de vegetação nativa.

Mas, na prática, continuou sendo regulamentada e implementada sob a lógica do abastecimento
de matéria-prima florestal para o mercado consumidor. Na legislação federal e na maioria dos estados da Amazônia e do Cerrado, reposição florestal é definida como a compensação do volume de matéria-prima extraído de vegetação natural pelo volume de matéria-prima resultante do plantio florestal para geração de estoque ou recuperação de cobertura florestal (Decreto Federal nº 5.975/2006). Trata-se de uma visão ultrapassada que compreende a floresta apenas como um estoque de biomassa.

Na legislação federal e na maioria dos estados da Amazônia e do Cerrado, as métricas para a reposição florestal são calculadas com base no volume de madeira, lenha ou carvão, sem levar em consideração a localização, a área e o tipo de vegetação suprimida. Além disso, essas regulamentações exigem a reposição em área bem inferior à desmatada.

De acordo com a Instrução Normativa MMA nº 6/2006, usada como referência por muitos estados, para cada hectare desmatado na Amazônia, basta restaurar apenas um terço da área originalmente suprimida; e para cada hectare desmatado no Cerrado, basta restaurar apenas um quinto da área suprimida. Caso a reposição florestal seja feita com espécies exóticas, como o eucalipto, algo admitido pela regulamentação em vigor, a área de reposição florestal será um pouco maior. Ainda assim, a área final de reposição será bem menor do que a área desmatada. Nos estados em que é possível cumprir com a reposição florestal por meio do pagamento de taxa ou instrumento similar, o valor cobrado é baixo e não cobre os custos para a promoção de um restauro de área equivalente.

Em Mato Grosso, quando o cumprimento da reposição florestal for realizado mediante o reflorestamento de Área de Preservação Permanente (APP) ou Reserva Legal, as métricas de reposição devem ter equivalência de hectare e tipologia vegetal entre a área reflorestada e a área desmatada. Mas, não há nenhum incentivo para que essa modalidade de reposição florestal seja adotada em detrimento de outras. Pelo contrário, o estado instituiu, em 2022, o Fundo de Desenvolvimento Florestal de Mato Grosso (Desenvolve Floresta) e, de acordo com o próprio secretário de Desenvolvimento Econômico, “a taxa é muito menor do que valores praticados em outras modalidades”, se tornando uma opção mais econômica para o proprietário que precisa compensar a área desmatada em sua propriedade.[8]

Como a supressão de vegetação nativa representa bem mais que a simples perda de matéria prima-florestal, a reposição florestal deveria levar em consideração critérios ecológicos da área desmatada. A reposição florestal deveria ser regulamentada sob o princípio “sem perda líquida de habitat”[9] e com base em critérios de equivalência ecológica[10] — e não equivalência em volume de matéria-prima. Além disso, a reposição florestal deveria ser regulamentada de modo a direcionar o restauro em áreas prioritárias para a conservação e conexão de áreas protegidas, contribuindo com um melhor desenho da paisagem.

Nesse sentido, o aprimoramento da regulamentação sobre reposição florestal depende de uma mudança de paradigma conceitual. Governos federal e estaduais precisam adotar uma nova definição de reposição florestal: um mecanismo de compensação ambiental pela perda de vegetação nativa, biodiversidade e serviços ecossistêmicos.

Entretanto, ainda há muita resistência para compreender o mecanismo sob essa ótica. Nos estados em que o uso do território já foi consolidado há mais tempo, como é o caso de São Paulo, observa-se a preocupação de garantir uma efetiva compensação pela área de vegetação nativa desmatada. Mas nos estados da Amazônia e do Cerrado, há desafios para aperfeiçoar esse mecanismo.

Os estados da Amazônia possuem regras mais restritivas de uso do solo, como a obrigação de conservar 80% da floresta como Reserva Legal, por isso representantes do governo desses estados não veem a necessidade de compensar o desmatamento legal permitido em 20% das propriedades. Já os representantes dos governos dos estados do Cerrado, com destaque para a região do Matopiba — que reúne Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia — continuam enxergando a reposição florestal como mecanismo para garantir o fornecimento de matéria-prima florestal, e não como um mecanismo de compensação ambiental. Para alguns estados do Matopiba, a compensação ambiental pela perda de vegetação nativa deveria ser regulamentada como compensação florestal, sendo um instrumento distinto da reposição florestal.

Ampliação das Hipóteses de Isenção da Reposição Florestal Eliminam a Compensação do Desmatamento Legal

As legislações federal e dos estados da Amazônia e do Cerrado preveem como regra geral
que todo detentor de autorização de supressão de vegetação (ASV) e todo consumidor de matéria-prima florestal proveniente de vegetação nativa são obrigados a promover a reposição florestal. A legislação também prevê a possibilidade de transferência da obrigação do detentor de ASV para o consumidor de matéria-prima florestal, com o intuito de incentivar a destinação e o uso econômico da vegetação que foi suprimida. Por fim, a legislação também estabelece hipóteses de isenção da obrigação.

De acordo com a legislação federal, ficam isentos da obrigação de efetuar a reposição florestal o consumo de: (i) matéria-prima florestal oriunda de Plano de Manejo Florestal Sustentável (PMFS) ou floresta plantada; (ii) matéria-prima florestal não madeireira (como: óleos, frutos, sementes, casca e resinas); (iii) resíduos prevenientes da atividade industrial (como: aparas, costaneiras e cavacos) e (iv) matéria-prima florestal utilizada para consumo próprio em pequena propriedade ou posse rural familiar (como: lenha para fins energéticos).

Essas isenções são adotadas em todos os estados contemplados nesta análise, com exceção de São Paulo. Vários estados estabelecem outras hipóteses de isenção de reposição florestal, como, por exemplo, nos casos de projetos de interesse público ou quando o consumo é proveniente de corte de arborização urbana.

Nesse contexto, chama a atenção a Lei do estado de Goiás nº 21.231/2022 que dispõe sobre a regularização ambiental de imóveis rurais,[11] compensação florestal e reposição florestal. A legislação goiana regulamenta, separadamente, a reposição florestal decorrente de autorização de supressão de vegetação — que passou a ser denominada compensação florestal — da reposição florestal decorrente do consumo de matéria-prima florestal.

A legislação goiana não define explicitamente compensação florestal e reposição florestal, mas, ao regulamentá-las, deixa claro que a primeira é uma compensação ambiental pela perda de vegetação nativa autorizada, enquanto a segunda é um instrumento para a manutenção do estoque de matéria-prima para o mercado consumidor. A compensação ambiental é regulamentada pelo princípio da equivalência da área, enquanto a reposição florestal é regulamentada com base nos volumes consumidos de matéria-prima. Nesse sentido, a lei goiana parece ter avançado em termos conceituais e nos parâmetros, entretanto, esse avanço é anulado pelas isenções estabelecidas pela própria lei.

De acordo com essa nova regulamentação, ficam isentas da obrigação de compensação florestal a conversão do uso do solo para o desenvolvimento das atividades de agricultura, pecuária e silvicultura. Assim, a compensação pela supressão de vegetação nativa, em Goiás, deixa de ser a regra para se tornar a exceção, já que as atividades com maior impacto na conversão do uso do solo, como é o caso das atividades agropecuárias, passaram a ser isentas da obrigação.

Além disso, a lei também prevê que a reposição florestal substitui a compensação florestal e que o detentor de autorização de supressão de vegetação pode optar pela reposição no lugar da compensação. Ora, como mencionado, os instrumentos têm objetivos e métricas distintas, e a possibilidade de substituir a compensação pela reposição simplesmente retira toda a eficácia da compensação florestal.

Há de se ter em mente ainda que Goiás é um dos estados com maior produção agropecuária do país. De acordo com informações do próprio governo goiano, o estado alcançou um recorde em 2022, com destaque para a lavoura de soja.[12] Goiás é o segundo maior produtor de soja, dentre os estados do Cerrado, e a expansão da lavoura se dá tanto pela ocupação de pastagens como pelo desmatamento de vegetação nativa.[13] Ressalta-se que, no período de 2019 a 2022, aproximadamente 1.179 hectares foram desmatados legalmente no estado, o que representa menos de 1% do desmatamento total no período.[14] Nesse contexto, a lei goiana representa um grave retrocesso e não incentiva a expansão das atividades agropecuárias por meio de ganhos de produtividade, pois facilita a conversão de vegetação nativa, isentando a obrigação de compensação florestal, e permite que desmatamentos ilegais sejam facilmente regularizados.

O mecanismo de reposição florestal está previsto na legislação brasileira, mas, como se vê, é preciso aprimorá-lo. Os estados precisam ultrapassar o entendimento limitado da reposição florestal pela lógica do abastecimento de matéria-prima para o mercado consumidor e compreendê-la, de modo amplo, como mecanismo efetivo de compensação ambiental pela perda de vegetação nativa, de biodiversidade e de serviços ecossistêmicos. Mudanças na regulamentação poderiam assegurar a real compensação do desmatamento legal e a restauração de áreas prioritárias para conservação.


A autora gostaria de agradecer a assistência à pesquisa de Anna Cárcamo. Também gostaria de agradecer Giovanna Miranda e Camila Calado pelo trabalho de revisão e edição de texto e Julia Berry pelo trabalho de design gráfico e formatação.


[1] Gandour, Clarissa e João Mourão. Coordenação Estratégica para o Combate ao Desmatamento na Amazônia: Prioridades para os Governos Federal e Estaduais. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2022. bit.ly/CoordenacaoEstrategica.

[2] TerraBrasilis. Cerrado Brasileiro – Avisos de Desmatamento. 2023. Data de acesso: 10 de julho. bit.ly/3YaDVSg.

[3] MMA. Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) – 5ª Fase (2023 a 2027). 2023. Data de acesso: 10 de julho de 2023. bit.ly/3Q0duMY.

[4] Freitas, Flavio L. M. et al. “Who owns the Brazilian carbon?” Global Change Biology 24, nº 5 (2018): 2129-2142. bit.ly/43wjYGc.

[5] Lopes, Cristina L. e Joana Chiavari. Reposição Florestal: Panorama da Regulamentação dos Estados. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2021. bit.ly/ReposisaoFlorestal.

[6] Portal da Transparência de Minas Gerais. Compensações Ambientais. 2022. Data de acesso: 15 de junho de 2023. bit.ly/3DhWYA9.

[7] Portal da Transparência de Minas Gerais. Compensações Ambientais. 2023. Data de acesso: 15 de junho de 2023. bit.ly/3DjuGVW.

[8] Rodrigues, Igor. Sedec emitiu mais de 190 certificados de taxa de reposição florestal em 12 meses. Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico de Mato Grosso. 2023. Data de acesso: 16 de junho de 2023. bit.ly/43ouKyo.

[9] O princípio “sem perda líquida de habitat” visa assegurar que a compensação ambiental (no caso, a reposição florestal) seja feita por meio de ações que produzam um benefício ambiental equivalente à perda ambiental causada (no caso, perda de vegetação nativa, biodiversidade e serviços ecossistêmicos).

[10] Não há uma definição única na academia sobre equivalência ecológica. Alguns autores definem como sendo áreas com componentes de biodiversidade altamente comparáveis (International Union for Conservation of Nature – IUCN. Biodiversity Offsets Technical Study Paper. 2014. bit.ly/3OkoIuw); outros defendem a incorporação de critérios bióticos e abióticos para calcular a compensação (Carta assinada pela SBPC e a ABC à presidente do STF: bit.ly/44tJJIT).

[11] Essa lei goiana representa um grande retrocesso e abre um grave precedente ao estabelecer um procedimento alternativo — e ainda mais flexível que o previsto pelo Código Florestal — para a regularização ambiental de passivos florestais. Para saber mais: Lopes, Cristina L., Lourdes Machado e Joana Chiavari. Onde Estamos na Implementação do Código Florestal? Radiografia do CAR e do PRA nos Estados Brasileiros – Edição 2022. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2023. bit.ly/OndeEstamosCar.

[12] Governo de Goiás. VBP da agropecuária goiana alcança recorde em 2022. 2023. Data de acesso: 16 de junho de 2023. bit.ly/3NYSZgN.

[13] Agrosatélite Geotecnologia Aplicada Ltda. Análise geoespacial da expansão da soja no bioma Cerrado: Uma atualização e reanálise com o novo limite do bioma: 2000/01 a 2021/22. Florianópolis, 2022. bit.ly/46LQDdQ.

[14] Relatório Anual de Desmatamento 2022. São Paulo: MapBiomas, 2023. bit.ly/46VPu3k.

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