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O Nexo Floresta-Clima: Uma Arquitetura Sob Medida para a Ação Climática

Florestas tropicais: de risco climático à solução climática.

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Sumário Executivo

Os esforços globais para combater as mudanças climáticas são insuficientes. Apesar de anos de negociações e compromissos internacionais, as emissões seguem crescendo, e o processo de transição para uma economia de baixo carbono permanece desigual e limitado. As políticas e iniciativas atuais têm se mostrado ineficazes para reduzir as emissões e têm contribuído para a intensificação dos impactos climáticos, deixando os ecossistemas, as comunidades e as economias cada vez mais vulneráveis. A necessidade de medidas urgentes, ambiciosas e coordenadas nunca foi tão grande, pois a janela de tempo para evitar impactos climáticos irreversíveis está se esgotando.

Nesse contexto, ampliar a captura de carbono tornou-se cada vez mais importante e as florestas tropicais se destacam como uma das soluções mais poderosas, imediatas e econômicas. A restauração florestal pode proporcionar amplo sequestro de carbono a um custo relativamente baixo, ao mesmo tempo em que protege a biodiversidade, regula os ciclos hídricos e apoia os meios de subsistência rural.

No entanto, apesar de seu imenso potencial para a agenda climática, devido ao desmatamento contínuo, as florestas tropicais são frequentemente consideradas um risco climático ao invés de reconhecidas como solução. Interromper efetivamente o desmatamento, conservar as florestas existentes e restaurar terras degradadas pode transformar essa percepção, criando um ciclo de retroalimentação positivo entre a ação climática e a saúde das florestas. Além disso, uma melhor gestão das florestas pode desempenhar um papel importante na mitigação climática, as receitas provenientes de serviços relacionados ao clima podem ser investidas para a restauração e a proteção dos ecossistemas tropicais, fortalecendo a resiliência das florestas e reduzindo o risco de ultrapassar pontos críticos de não retorno.

Neste relatório, pesquisadores do Climate Policy Initiative/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio) estabelecem o nexo floresta-clima, destacando a profunda interdependência entre as florestas tropicais e a agenda climática. Ao analisar 91 países com florestas tropicais, este relatório documenta a variedade de desafios existentes, destacando a necessidade de adoção de abordagens diferenciadas e flexíveis e identifica uma oportunidade estratégica para a restauração florestal. Embora os instrumentos de políticas públicas existentes ofereçam soluções para proteger as florestas e promover a restauração, eles são frequentemente suscetíveis aos ciclos políticos, o que evidencia a necessidade de fornecer incentivos estáveis para que os países protejam suas florestas tropicais. Este relatório apresenta uma arquitetura financeira sob medida, adaptada às diferentes realidades das florestas tropicais no mundo, e propõe o Mecanismo de Reversão de Desmatamento (Reversing Deforestation Mechanism – RDM) para suprir uma lacuna crítica de financiamento ao impulsionar a restauração em larga escala, transformando o papel das florestas — de risco para solução climática.

Ao integrar abordagens jurisdicionais e baseadas em resultados, o RDM preenche a atual lacuna de financiamento para restauração em escala e complementa os esforços já existentes para conter o desmatamento e proteger as florestas, como o REDD+ jurisdicional (JREDD+) e o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (Tropical Forest Forever Facility – TFFF).

Enquanto o mundo se prepara para a COP30, em Belém, este relatório traz uma mensagem clara: as florestas tropicais devem se tornar o centro das estratégias climáticas. As florestas não são somente vulneráveis às mudanças climáticas, mas indispensáveis para resolvê-las. Com políticas personalizadas, financiamento robusto e compromisso político de longo prazo, elas podem proporcionar a mitigação climática, a proteção da biodiversidade e o desenvolvimento sustentável em uma escala que poucas outras soluções podem igualar. A crise climática exige urgência: ações decisivas podem transformar as florestas tropicais em ativos climáticos duradouros. Enquanto a ação for adiada, corre-se o risco de desperdiçar uma oportunidade única de garantir a estabilidade climática e ecológica.

A Relação entre as Florestas e a Agenda Climática

O nexo floresta-clima evidencia o papel duplo das florestas tropicais tanto na regulação do clima quanto na provisão de soluções climáticas. As florestas tropicais não apenas armazenam imensos estoques de carbono, mas também influenciam os padrões de precipitação através da evapotranspiração, regulam os ciclos hidrológicos, auxiliam na manutenção da biodiversidade e sustentam mais de um bilhão de pessoas. Além disso, desempenham um papel importante ao apoiar espécies, comunidades e países na adaptação às mudanças climáticas.

Em contrapartida, o desmatamento e a degradação florestal aumentam as emissões e comprometem ecossistemas e meios de subsistência. As florestas enfrentam vulnerabilidades crescentes devido ao aumento da temperatura, alterações nos padrões de precipitação, secas prolongadas e incêndios florestais mais frequentes. Essa dinâmica bidirecional significa que, de um lado, a perda de florestas acelera as mudanças climáticas e, de outro, as mudanças climáticas prejudicam a resiliência das florestas.

Proteger e restaurar as florestas constitui, portanto, uma das opções mais escaláveis, imediatas e politicamente viáveis para a mitigação das mudanças climáticas. As políticas públicas e o financiamento climático desempenham um papel central na implementação do nexo floresta-clima, ao reforçar a proteção das florestas e promover a restauração.

Países com Florestas Tropicais: Desafios e Oportunidades

Tendo como base informações obtidas por satélite, este relatório analisa as florestas tropicais em 91 países, avaliando a cobertura florestal, as tendências de desmatamento e as oportunidades de restauração. A Figura 1 mostra como esses países possuem, juntos, 1,27 bilhão de hectares de florestas tropicais e armazenam 593 gigatoneladas de CO2 equivalente (GtCO2e), o que corresponde a aproximadamente 1/3 das emissões históricas mundiais. Na última década, contudo, esses países perderam, na média, mais de 10 milhões de ha por ano. Os fatores que causam o desmatamento são variados, incluindo a agropecuária, a extração de lenha, a exploração ilegal de madeira e atividades econômicas ilícitas.

Embora o desmatamento afete de modo significativo os esforços de mitigação climática, a restauração de áreas desmatadas desde 2001 pode recuperar até 49 GtCO2. Para efeito de comparação, em 2024, o orçamento de carbono remanescente foi estimado em 900 GtCO2e para limitar o aquecimento global a menos de 2°C e em 200 GtCO2e para manter abaixo de 1,5 °C, de acordo com o relatório de emissões da UNEP (2024).

Figura 1. Países com Florestas Tropicais, 2023

Mapa interativo

Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados de Hansen et al. (2013) – v1.11, CHIRPS precipitation (2023), and TerraClimate temperature (2020), 2025

Este relatório reconhece que a realidade dos países varia substancialmente e os classifica em três grupos com base na cobertura florestal, nas taxas de desmatamento e no potencial de carbono:

• Alta Cobertura Florestal, Baixo Desmatamento, Baixo Potencial de Carbono
• Baixa Cobertura Florestal, Alto Desmatamento, Baixo Potencial de Carbono
• Alta Cobertura Florestal, Alto Desmatamento, Alto Potencial de Carbono

Este exercício de classificação reforça a importância de entender a natureza e a dimensão dos desafios enfrentados por cada país, além de destacar a necessidade de adotar estratégias flexíveis e adaptadas a cada realidade, que combinem ações e investimentos para enfrentá-los de forma eficaz.

Mesmo investigando contextos florestais e condições socioeconômicas distintas nos 91 países, pesquisadores observaram que o desmatamento não está diretamente relacionado ao desenvolvimento econômico. O estudo mostra que nem a floresta em pé nem as taxas de desmatamento têm relação direta com a renda per capita dos países. Dessa forma, é possível concluir que o desmatamento não é condição necessária para o crescimento econômico e, ao mesmo tempo, que a proteção e a restauração das florestas não impedem o desenvolvimento socioeconômico.

Conjunto de Instrumentos de Política Pública com Impacto em Floresta: Eficácia e Riscos Políticos

Para que as florestas sejam efetivamente parte da solução climática, são necessárias políticas públicas robustas. Como mostra a Figura 2, existe um conjunto eficaz de medidas regulatórias, incentivos econômicos e subsídios para reduzir o desmatamento e promover a restauração em contextos tropicais. Os principais instrumentos incluem regulamentações sobre áreas protegidas, proteção de espécies ameaçadas ou em risco, uso da terra e proteção da vegetação nativa, monitoramento, fiscalização e sanção, assim como mecanismos para Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), subsídios agrícolas, concessão de crédito rural subsidiado e incentivos comerciais e de mercado. As evidências deste estudo indicam que essas intervenções são mais eficazes quando adaptadas aos contextos sociais, políticos e econômicos locais e estrategicamente combinadas.

Figura 2. Conjunto de Instrumentos de Política Pública com Impacto em Floresta

Fonte: CPI/PUC-Rio, 2025

O sucesso das políticas florestais depende de condições favoráveis à sua implementação, incluindo a definição clara de direitos sobre a terra, a articulação entre políticas setoriais, arranjos institucionais coordenados, processos decisórios responsáveis e implementação consistente.

Os ciclos políticos são um fator recorrente de instabilidade, já que o desmatamento tende a aumentar ou diminuir conforme as mudanças nas prioridades de governo. Por isso, as políticas devem ser concebidas não apenas com base na eficácia técnica, mas também para resistir às oscilações do ambiente político. A construção dessa resiliência envolve medidas como o fortalecimento de marcos legais, a incorporação da fiscalização em instituições independentes e o alinhamento de incentivos econômicos à gestão florestal de longo prazo.

A principal lição é que a efetividade das políticas florestais depende não apenas do seu desenho, mas também de condições que assegurem sua continuidade ao longo do tempo. Nesse sentido, uma arquitetura financeira sob medida pode oferecer incentivos duradouros para países com florestas tropicais.

O Mecanismo de Reversão do Desmatamento

Este relatório propõe uma arquitetura financeira sob medida, capaz de criar incentivos para a proteção e restauração eficazes das florestas, atendendo às necessidades específicas de cada país. Pesquisadores do CPI/PUC-Rio apresentam o RDM, destinado a preencher a lacuna de financiamento para florestas e promover a restauração.

O JREDD+, embora possibilite a restauração florestal, tem sido utilizado principalmente para deter o desmatamento. Já o recém-proposto TFFF, apesar de recompensar financeiramente as florestas restauradas, concentra-se principalmente em preservar as florestas existentes.

O RDM é proposto como mecanismo complementar ao JREDD+ e ao TFFF, recompensando as remoções líquidas de carbono — ou seja, o CO2 capturado pela restauração, deduzidas as emissões do desmatamento e da degradação — em nível jurisdicional. Os pagamentos seriam baseados em resultados, vinculados à verificação anual de desempenho e administrados por fundos jurisdicionais específicos, garantindo que os recursos sejam reinvestidos na proteção florestal e no uso sustentável da terra. A Figura 3 apresenta uma comparação entre esses três mecanismos complementares.

Figura 3. Comparação do financiamento florestal: JREDD+, TFFF e RDM

Fonte: CPI/PUC-Rio, 2025

Estimativas indicam que, a um preço de carbono de US$ 50 por tonelada, o RDM poderia gerar receitas com valor presente (VP) descontado superiores a US$ 5.000 por hectare para 170 milhões de hectares em todo o mundo. As florestas restauradas poderiam, em média, remover até 2 GtCO2 por ano nos primeiros anos de operação, o que representa entre 11% e 13% da lacuna de emissões para limitar o aquecimento a 2,0°C até 2035 (UNEP 2024). A US$ 50 por tonelada, isso representa aproximadamente US$ 100 bilhões em receitas anuais, destacando a importância climática e a oportunidade financeira da restauração em larga escala. Ao vincular o financiamento climático diretamente a resultados verificados de carbono, o RDM oferece um caminho escalável e transparente para transformar florestas tropicais em ativos climáticos de alto impacto.

Para alcançar todo o potencial do RDM, é necessário um conjunto de requisitos de implementação que assegurem a integridade ambiental, a viabilidade financeira e o impacto a longo prazo. A implementação da restauração em larga escala através de abordagens jurisdicionais oferece uma forma de maximizar os benefícios climáticos e ecológicos, ao mesmo tempo que permite fiscalização e monitoramento mais eficientes. Ao focar em jurisdições inteiras, em vez de projetos isolados, os esforços de restauração se beneficiam de menor fragmentação, de maior permanência do carbono e das economias de escala na fiscalização. Para essa estratégia, é central uma estrutura robusta de contabilização de carbono que vincule os pagamentos aos resultados líquidos de carbono, combinando capturas advindas da regeneração com penalidades pelas emissões de GEE decorrentes do desmatamento e da degradação. Isso assegura a integridade ambiental e alinha os incentivos entre todos os stakeholders.

Para ampliar e sustentar esses esforços, a viabilidade financeira de longo prazo é fundamental. Os mercados internacionais regulamentados de carbono — viabilizados pelo Artigo 6 do Acordo de Paris — podem fornecer a demanda e a previsibilidade necessárias, oferecendo mitigação efetiva para países de alta renda, ao mesmo tempo em que direcionam financiamento baseado em resultados para jurisdições tropicais. As salvaguardas de permanência do RDM, como pagamentos futuros de um fundo jurisdicional específico ou empréstimos perdoáveis, auxiliam na proteção de florestas restauradas ao longo do tempo. A flexibilidade no uso dos recursos permite o alinhamento com as prioridades locais, enquanto o setor privado pode aprimorar a entrega, a inovação e o desenvolvimento de cadeias de valor sustentáveis baseadas na floresta. Juntos, esses elementos estruturam uma arquitetura sólida e coerente para desbloquear todo o potencial climático e de desenvolvimento da restauração das florestas tropicais.


Agradecimentos

O conteúdo deste documento foi discutido no contexto de um conselho independente convocado pelo presidente designado da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, para informar sobre algumas dimensões econômicas da COP30, incluindo contribuições para o “Roteiro de Baku a Belém para 1,3 T”, a ser apresentado pelo presidente da COP29 e pelo presidente designado da COP30, e para a Agenda de Ação da COP30.

Este relatório se beneficiou de importantes comentários e feedback de representantes do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (MMA), do Ministério das Relações Exteriores (MRE) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Este trabalho é financiado por Norway’s International Climate and Forest Initiative (NICFI), Climate and Land Use Alliance (CLUA) e Fundação Porticus. Nossos parceiros e financiadores não necessariamente compartilham das posições expressas nesta publicação.

Os autores gostariam de agradecer a Natalie Hoover, Barbara Buchner, Vikram Widge, Cristina Leme Lopes, Beto Veríssimo e ao grupo do Amazônia 2030 pelos comentários e sugestões. Também agradecem a Natalie Hoover e Camila Calado pela edição e revisão do texto, e a Meyrele Nascimento e Nina Oswald Vieira pela formatação e design gráfico.


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