As florestas tropicais estão no centro das questões climáticas, atuando simultaneamente como reguladoras de carbono, da biodiversidade e do regime hídrico. Para compreender plenamente a natureza dessa interdependência, é necessário ir além de afirmações genéricas e examinar como exatamente as florestas influenciam — e são influenciadas — pelo clima global. Este capítulo examina as múltiplas funções desempenhadas pelas florestas tropicais e apresenta como uma nova forma de enxergar a relação entre florestas e clima pode fortalecer tanto a ação climática quanto a gestão florestal.
A Dinâmica do carbono: de Emissores a Sumidouros Líquidos
As florestas são vitais para o equilíbrio de carbono do planeta. As florestas intactas funcionam como sumidouros de carbono, absorvendo dióxido de carbono (CO2) da atmosfera por meio da fotossíntese. Ao fazer isso, elas ajudam a mitigar as mudanças climáticas, armazenando bilhões de toneladas de CO2. No entanto, esse equilíbrio pode ser facilmente perturbado. Quando as florestas são degradadas ou desmatadas, elas liberam na atmosfera o carbono previamente armazenado, tornando-se fontes líquidas de carbono. Na verdade, as mudanças no uso da terra, particularmente o desmatamento, contribuem significativamente para as emissões globais de GEE (IPCC 2022).
O papel das florestas como sumidouros ou fontes de carbono depende diretamente da ação humana. Decisões sobre o uso da terra, como a expansão da agropecuária ou da infraestrutura em áreas florestais, tendem a transformar essas áreas em emissores de carbono. Por outro lado, esforços de conservação e restauração podem fortalecer o papel das florestas como aliadas no enfrentamento da crise climática, ampliando sua capacidade de capturar e armazenar carbono.
Ao contrário do que se acredita, atender à demanda global por alimentos não requer mais desmatamento. Pesquisas mostram que a produção agropecuária atual, se gerenciada de forma eficiente, é suficiente para sustentar a população global (Souza e Assunção 2020). Estatísticas da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAOSTAT) indicam que, apesar do aumento observado no volume da produção agropecuária, a área de produção global permaneceu estável nas últimas duas décadas. Isso reforça o argumento de que a perda florestal não é necessária para atender à demanda crescente de alimentos, mas uma consequência de condutas políticas e de mercados ineficientes.
Embora as mudanças climáticas tragam novas ameaças que podem enfraquecer a resiliência das florestas, elas também amplificam a urgência da restauração florestal. Essa relação ressalta a importância de proteger as florestas existentes e de restaurar as degradadas. As florestas restauradas não apenas capturam o carbono perdido, mas também melhoram a biodiversidade, os ciclos hídricos e os meios de subsistência locais. Entre todas as soluções climáticas baseadas na natureza, a proteção e a restauração florestal continuam sendo as opções mais escaláveis e econômicas para a captura de carbono (Assunção et al. 2025).
Se as florestas irão agravar a crise climática ou contribuir para solucioná-la dependerá das escolhas que fizermos hoje.
Biodiversidade: Florestas Tropicais como Pontos Críticos Globais
As florestas tropicais abrigam mais de 50% de todas as espécies terrestres, tornando-as os ecossistemas mais biodiversos da Terra (Pillay et al. 2021). Essa biodiversidade não é apenas valiosa em si mesma, ela desempenha um papel funcional crítico na manutenção da resiliência florestal e no apoio a serviços ecossistêmicos essenciais, incluindo o sequestro de carbono, a regulação da água e a fertilidade do solo (Myers et al. 2000).
Muitas dessas florestas estão localizadas em pontos críticos de biodiversidade: 36 regiões reconhecidas globalmente pelas concentrações excepcionais de espécies endêmicas estão sob grave ameaça devido à atividade humana. Embora ocupem apenas 2,5% da superfície terrestre, esses pontos críticos garantem mais de 35% dos serviços ecossistêmicos essenciais à sobrevivência de populações vulneráveis, como acesso à água potável, alimentos e regulação climática (Conservation International sd). Sendo assim, a proteção dessas áreas traz benefícios enormes tanto para a natureza quanto para as pessoas.
A biodiversidade aumenta a resiliência dos ecossistemas, permitindo que as florestas resistam melhor ao estresse climático, enquanto continuam a desempenhar funções essenciais. A diversidade de espécies e a variação genética ajudam os ecossistemas a se adaptarem a choques térmicos e a se recuperarem de eventos negativos. Por outro lado, a perda de biodiversidade prejudica essas funções, enfraquecendo a capacidade das florestas de armazenar carbono e regular os ciclos hidrológicos (Myers et al. 2000).
Além dos benefícios ecológicos, a biodiversidade tem um profundo valor cultural e econômico. As comunidades que residem nas florestas tropicais e ao redor delas dependem de uma ampla variedade de produtos florestais para sua subsistência e tradições, tais como nozes, frutas, plantas medicinais, borracha e madeira.
A restauração da biodiversidade e a mitigação das mudanças climáticas são objetivos que se reforçam mutuamente. A regeneração natural bem planejada, utilizando espécies nativas, pode recuperar até 90% da riqueza original de espécies, superando significativamente a monocultura em termos de função ecológica e resiliência (Rozendaal et al. 2019). Proteger as florestas existentes e restaurar as degradadas, especialmente em pontos críticos de biodiversidade, é um caminho eficiente para alcançar os objetivos climáticos e de desenvolvimento socioeconômico.
Regulação da Água e do Clima: as Florestas como Estabilizadoras do Clima
Além de seu papel no armazenamento de carbono e na conservação da biodiversidade, as florestas tropicais são fundamentais para sustentar o ciclo da água em várias escalas. A vegetação nessas florestas recicla continuamente a umidade por meio da evapotranspiração — o processo pelo qual a água é transferida do solo e das plantas para a atmosfera — influenciando a distribuição das chuvas tanto localmente quanto em regiões distantes (Salati et al. 1979; Aragão 2012; Beveridge et al. 2024). Esse ciclo de umidade atua como uma ponte climática entre os ecossistemas, o que significa que a degradação ambiental em uma área pode impactar o regime de chuvas e o equilíbrio ecológico em outras.
Essa interdependência torna as florestas tropicais particularmente vulneráveis a efeitos em cascata. Por exemplo, quando grandes áreas de floresta são perdidas na Amazônia oriental, a redução resultante na umidade atmosférica pode prejudicar a resiliência das florestas a favor do vento, aumentando a probabilidade de degradação (Lovejoy e Nobre 2018). Araujo (2023) estima que a degradação florestal expande significativamente a área impactada, muitas vezes dobrando-a por conta desses ciclos de retroalimentação de umidade. É alarmante o fato de algumas partes da Amazônia já mostrarem sinais de se tornarem emissoras líquidas de carbono, em vez de sumidouros; isso destaca os efeitos desestabilizadores dessas alterações no ciclo hidrológico (Gatti et al. 2021). Flores et al. (2024) alertam ainda que uma grande parte do bioma poderá em breve atingir um limiar crítico de exposição a tais riscos.
As consequências não se limitam apenas à floresta. A queda no regime de chuvas, associado ao desmatamento, reduz a produtividade agropecuária em áreas a favor do vento (Leite-Filho et al. 2021; Spracklen, Arnold e Taylor 2012; Araujo 2023), ao mesmo tempo em que prejudica a geração de energia hidrelétrica, que é fortemente dependente de fluxos de água previsíveis (Stickler et al. 2013; Araujo 2024; Araujo e Mourão 2023). Essas alterações no ciclo hidrológico provocam implicações econômicas e sociais abrangentes, ressaltando a necessidade de proteger a integridade da floresta para garantir a segurança climática e dos recursos.
Benefícios Sociais e de Desenvolvimento: Florestas e o Bem-estar Humano
Além do valor ecológico e climático, as florestas tropicais estão profundamente interligadas ao bem-estar e ao desenvolvimento humano. As florestas sustentam a subsistência de mais de 1,6 bilhão de pessoas em todo o mundo, particularmente em áreas rurais, fornecendo alimentos, medicamentos, combustível, madeira, fibras e oportunidades de geração de renda por meio de mercados formais e informais (Grima et al. 2023). Para muitas comunidades, especialmente povos indígenas e populações tradicionais, as florestas não são somente uma fonte de sustento material, mas também base importante da identidade cultural, da vida espiritual e da coesão social (UNEP 2021).
Em estudo, Levis et al. (2017) analisaram dados de milhares de parcelas florestais em toda a Amazônia e descobriram que muitas das espécies de árvores mais abundantes da região — incluindo castanha-do-pará, cacau e certas palmeiras — foram historicamente cultivadas e disseminadas por povos indígenas. Essa pesquisa desafia a noção da Amazônia como “selva intocada” e, em vez disso, demonstra que o manejo humano tem sido parte integrante da estrutura e da diversidade da floresta ao longo de milênios. Isso está em linha com evidências arqueológicas que indicam que a Amazônia já abrigou milhões de pessoas que manejavam ativamente espécies e paisagens, contribuindo de forma decisiva para as florestas que conhecemos hoje (Neves 2016).
A proteção florestal pode trazer benefícios colaterais significativos para o desenvolvimento. Quando bem gerenciados, os esforços de conservação e restauração podem fortalecer as economias locais, apoiando cadeias de valor sustentáveis, incluindo produtos florestais não madeireiros, silvicultura comunitária, ecoturismo e agropecuária compatível com a floresta (FAO et al. 2023). Essas abordagens, quando alinhadas com os direitos e os conhecimentos das comunidades locais, oferecem caminhos de desenvolvimento mais inclusivos e resilientes (Agrawal et al. 2009).
As evidências também mostram que as florestas são fundamentais para promover a justiça climática e a equidade social. As comunidades indígenas e locais muitas vezes atuam como guardiãs eficazes da biodiversidade e dos estoques de carbono — gerenciando pelo menos 36% das florestas intactas globalmente —, mas essas áreas continuam entre as mais vulneráveis ao desmatamento, à apropriação de terras e aos impactos climáticos (IPCC 2022). Reconhecer os direitos de posse da terra, garantir o acesso a mecanismos de repartição de benefícios e investir na governança florestal liderada pela comunidade são, portanto, essenciais não apenas para os resultados da conservação, mas também para a justiça social e econômica (FAO 2024).
À medida que os países buscam alinhar as prioridades ambientais com as metas de redução da pobreza e de desenvolvimento rural, a proteção das florestas pode servir como uma ferramenta estratégica, que une a ação climática global ao bem-estar local e ao desenvolvimento de longo prazo.
Florestas e Adaptação
As florestas são fundamentais para a agenda climática não apenas por seu papel na mitigação, mas também por sua capacidade de apoiar a adaptação. Esse duplo papel pode ser entendido como adaptação para as florestas, que se refere a medidas que ajudam as florestas a permanecerem resilientes diante do estresse climático, e florestas para adaptação, que destaca os serviços florestais que contribuem para fortalecer a resiliência das sociedades e das economias.
A adaptação para as florestas refere-se às estratégias, práticas e políticas que ajudam os ecossistemas florestais — e as pessoas que deles dependem — a se ajustar aos impactos das mudanças climáticas, mantendo suas funções ecológicas, econômicas e sociais. Elas visam abordar as crescentes vulnerabilidades que as florestas enfrentam devido a secas, pragas, mudanças na distribuição das espécies e incêndios florestais. Estratégias como o manejo do fogo, o controle de espécies invasoras, a conservação da diversidade genética e de espécies e a criação de plantações mais resilientes garantem que as florestas continuem a prosperar e a fornecer serviços ecossistêmicos essenciais diante das mudanças do clima (Keenan 2015).
As florestas para adaptação enfatizam o papel crucial que as florestas desempenham no apoio às pessoas, às comunidades e às economias na adaptação aos impactos das mudanças climáticas, através da regulação dos ciclos hídricos, proteção dos solos, redução dos riscos de inundações e secas e fornecimento de alimentos, combustível e outros produtos que servem como redes de segurança em tempos de crise. Esses serviços são indispensáveis para setores particularmente sensíveis ao clima, como agropecuária, gestão da água e energia. Um exemplo marcante são os “rios voadores” da Amazônia, o transporte maciço de umidade gerado pelas florestas que sustenta os regimes de chuvas em toda a América do Sul. O desmatamento desestabiliza esse sistema, trazendo consequências para a agropecuária, a segurança hídrica e a energia hidrelétrica (Araujo 2024). A preservação das florestas torna-se, assim, uma medida de adaptação em si mesma, garantindo fluxos estáveis de água, reduzindo a sedimentação e salvaguardando a confiabilidade da geração de energia hidrelétrica.
Juntas, essas perspectivas formam a base da adaptação baseada nas florestas, uma abordagem que reúne manejo florestal sustentável, conservação, restauração e reflorestamento para fortalecer a resiliência. Além de ajudar as comunidades a lidarem com os impactos climáticos, a adaptação baseada nas florestas também gera benefícios adicionais de mitigação e contribui diretamente para a maioria dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (Libert-Amico et al. 2022).
O Nexo Floresta-Clima
As florestas tropicais e o sistema climático global estão interligados por uma relação profundamente recíproca. As florestas influenciam o clima ao armazenar grandes quantidades de carbono, moldar os padrões de precipitação por meio da evapotranspiração e regular as temperaturas da superfície. Ao mesmo tempo, elas estão cada vez mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas, incluindo temperaturas mais altas, mudanças nos regimes de precipitação, secas prolongadas e incêndios florestais mais frequentes. Essa dinâmica bidirecional significa que a perda de florestas acelera as mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, as mudanças climáticas afetam a resiliência das florestas. Entender a relação entre florestas e clima é essencial para este relatório, que mostra de que forma as florestas tropicais podem contribuir tanto para a mitigação quanto para a adaptação às mudanças climáticas, além de apresentar políticas e estratégias financeiras eficazes.
As florestas estão entre as soluções climáticas mais escaláveis e econômicas disponíveis atualmente. Elas absorvem cerca de um terço das emissões anuais de CO2e provenientes da atividade humana e são essenciais para alcançar as metas climáticas globais. Proteger as florestas em pé conserva imensos estoques de carbono, enquanto a restauração em larga escala por meio da regeneração natural e do reflorestamento pode proporcionar remoções imediatas e de baixo custo de carbono.
A agenda climática, por sua vez, pode proporcionar as condições necessárias para uma proteção florestal mais forte. Mecanismos bem estruturados de financiamento e políticas climáticas podem canalizar recursos significativos para a conservação e restauração, criar incentivos de longo prazo para o manejo sustentável e reduzir os riscos políticos e econômicos. Ao alinhar as estratégias florestais e climáticas, sob o nexo floresta-clima, os países podem estabelecer um ciclo de reforço mútuo, no qual as ações climáticas protegem as florestas, e as florestas impulsionam o alcance das metas climáticas.