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Taxonomia Sustentável Brasileira: Insumos para Classificação de Atividades de Uso da Terra

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A Taxonomia Sustentável Brasileira

Mapeamento de Taxonomias Internacionais e Domésticas

Mapeamento de Outras Iniciativas (Domésticas)

Estudo de Caso do Crédito Rural

Introdução

Em 2023, o Ministério da Fazenda (MF) iniciou a elaboração da Taxonomia Sustentável Brasileira, uma iniciativa incluída no eixo “finanças sustentáveis” do Plano de Transformação Ecológica. O Plano de Ação da Taxonomia (MF 2023a) foi lançado oficialmente na COP28 em Dubai, em dezembro de 2023 (MF 2023b), após consulta pública. A primeira versão da Taxonomia deverá ser divulgada até novembro de 2024, enquanto sua adoção obrigatória está prevista para janeiro de 2026.

A Taxonomia Sustentável Brasileira será aplicada a diversos setores econômicos. Um destaque relevante é a classificação das atividades de uso da terra, que incluem a produção agrícola, pecuária e florestal.[1] Estabelecer critérios de sustentabilidade para essas atividades é crucial em um país em que três quartos das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs) provêm de mudanças no uso da terra — essencialmente causadas por desmatamento – e da agropecuária (SEEG 2022).

No entanto, o esforço de definir sustentabilidade para uso da terra não é novo. Diversas iniciativas nacionais e internacionais têm buscado elaborar critérios aplicáveis a esse setor.[2] Enquanto algumas dessas iniciativas têm foco em classificação e monitoramento, outras têm o objetivo mais abrangente de direcionar financiamentos para a produção sustentável.

Buscando contribuir para a construção da Taxonomia Sustentável Brasileira, pesquisadores do Climate Policy Initiative/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio) analisaram interseções e complementaridades entre as principais iniciativas para definir sustentabilidade do uso da terra no Brasil, assim como iniciativas internacionais utilizadas como referência para a Taxonomia Brasileira.

A análise apresenta as dimensões de sustentabilidade das iniciativas (ambiental, climática, social, etc.), estágio de implementação, objetivos, ator responsável, usuários, aplicações, tipo de adesão, entre outros aspectos relevantes. O trabalho enfatiza os critérios para a definição de atividades sustentáveis de uso da terra. Além disso, utilizando dados do crédito rural, o estudo mostra que a proporção do crédito alinhado a objetivos de sustentabilidade varia significativamente — de 1% até 44% para o ano agrícola 2022/23 —, dependendo da classificação escolhida como referência. O estudo também discute recomendações, buscando estabelecer prioridades e identificar pontos de atenção para a estruturação e implementação da Taxonomia Sustentável Brasileira.

É urgente definir critérios harmonizados, precisos e técnicos para a sustentabilidade do setor de uso da terra no Brasil. Também é necessário priorizar os esforços, buscando critérios passíveis de verificação e monitoramento em escala com dados disponíveis, para que a implementação da Taxonomia ocorra com agilidade e tenha maior impacto. Além disso, é preciso compreender a natureza dinâmica da taxonomia, cujos critérios deverão ser revisados e expandidos ao longo dos anos. Essa necessidade de refinamento e progressão, contudo, não deverá atrasar a definição e a implementação da Taxonomia. Os desafios ambientais e climáticos não podem ser postergados.

Como país que preside o G20 em 2024 e a COP30 em 2025, o Brasil tem uma oportunidade única de assumir o protagonismo ambiental e climático. Para isso, o estabelecimento da Taxonomia Sustentável Brasileira é uma ferramenta fundamental para direcionar a política pública e os fluxos financeiros, prevenindo a “lavagem verde” (greenwashing). A experiência brasileira pode servir de modelo e referência em nível internacional.

O que é uma Taxonomia Sustentável?
No contexto das finanças sustentáveis, taxonomia é um sistema de classificação que permite identificar atividades, ativos, ou projetos que apresentem objetivos ambientais, climáticos e/ou sociais, com base em métricas e/ou metas preestabelecidas (ICMA 2020). Ainda que objetivos ambientais e climáticos sejam predominantes, aspectos sociais vêm sendo incluídos nas taxonomias, principalmente através de princípios e salvaguardas (Baccas 2023). As taxonomias podem ser elaboradas por governos (países ou blocos econômicos), bem como construídas por outras organizações, inclusive privadas. As taxonomias têm o objetivo de orientar os fluxos financeiros para atividades que apresentam impactos positivos, potencialmente reduzindo o financiamento para atividades nocivas. Elas também servem para orientar políticas públicas alinhadas com objetivos de sustentabilidade. No entanto, não há uma taxonomia globalmente aceita sobre o que é considerado sustentável (Ricas e Baccas 2021).

a Taxonomia Sustentável Brasileira

Propostas para os próximos passos da Taxonomia Sustentável Brasileira

A construção de um sistema de classificação único, harmonizado e aplicável a toda a economia de um país é um esforço necessário, urgente e crucial para promover a transição para um modelo econômico mais alinhado com a sustentabilidade ambiental. O sucesso dessa tarefa certamente contribuirá para a atração de recursos para financiar atividades que geram impacto positivo nas dimensões ambiental, climática e socioeconômica no Brasil.

O país deu um importante passo nessa direção ao construir o Plano de Ação para a Taxonomia Sustentável Brasileira (MF 2023a). Resta agora a tarefa de elaborar os critérios para identificar investimentos em atividades, práticas ou projetos alinhados aos mais diversos objetivos estabelecidos pelo plano. 

Neste documento, pesquisadores do CPI/PUC-Rio buscam construir uma base para a definição dos critérios para o setor de uso da terra a partir de experiências concretas nacionais e internacionais, identificando lições e consensos, mas também revelando divergências. No Brasil, é preciso reconhecer o papel que diversas instituições desempenham na busca pela definição desses critérios, tais como: o Banco Central do Brasil (BCB), a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), entre outras.

O Plano de Ação da Taxonomia Sustentável Brasileira prevê que o estabelecimento dos critérios para cada setor ocorrerá ao longo do ano de 2024, sendo o setor de uso da terra um dos prioritários. Com o objetivo de contribuir para a construção da Taxonomia, este relatório apresenta dez recomendações visando sobretudo a aplicabilidade e a usabilidade da Taxonomia na escala necessária para gerar os impactos desejados. 

1

Os critérios para classificação de sustentabilidade precisam ser elaborados de forma técnica, com base científica, e suas justificativas devem ser comunicadas de forma clara e simples.

Elaborar cada critério a partir de referências estabelecidas, tais como: as metodologias elaboradas pela Embrapa, com métricas e limiares que o justifiquem tecnicamente, contribui para a aceitação desses critérios por parte de todos os atores relevantes — o produtor, a instituição financeira, o certificador, etc. — facilitando a aplicabilidade da Taxonomia na escala necessária.

O Plano prevê a elaboração dos critérios de forma técnica. Porém é importante reforçar que as justificativas técnicas devem ser bem comunicadas, focando principalmente em mostrar como as práticas sinalizadas se diferenciam do business-as-usual, gerando impactos positivos e mensuráveis para pelo menos um dos objetivos elencados no Plano de Ação, sem gerar dano significativo em nenhum dos outros objetivos.

2

Os critérios da Taxonomia devem ser compatíveis e equivalentes com outras taxonomias e iniciativas — sobretudo internacionais — a fim de garantir a sua aplicabilidade.  

O chamado princípio da interoperabilidade é mencionado no Plano de Ação, revelando uma preocupação dos formuladores de política com esse aspecto. Tal questão é chave para sinalizar para o mundo quais atividades de uso da terra no Brasil seguem padrões de sustentabilidade, atraindo, por conseguinte, investimentos internacionais com impacto positivo.

Por outro lado, o caso brasileiro é cheio de particularidades. O Brasil é um dos principais produtores de alimentos no mundo e aplica uma série de tecnologias e práticas desenvolvidas domesticamente, mas que não necessariamente são utilizadas em outros países. A elaboração da Taxonomia é uma oportunidade de apresentar esses critérios de forma clara, destacando a parte da produção primária brasileira que ocorre sobre bases sustentáveis e podendo inclusive se estabelecer como referência internacional em um conjunto de práticas agrícolas, pecuárias e florestais.

3

A criação de um grupo temático dedicado ao monitoramento, reporte e verificação é crucial para assegurar o êxito na implementação da Taxonomia e acompanhar a evolução do mercado.

Os critérios estabelecidos precisam ser verificáveis na escala e na frequência necessárias para avaliar se os diferentes perfis de produtores na ponta adotam, ao longo do tempo, as práticas sustentáveis definidas pela Taxonomia. A própria classificação pode necessitar de revisões periódicas, processo que se beneficia muito de uma metodologia de monitoramento bem definida e implementada. O Plano ainda reconhece a importância de mecanismos que garantam a transparência e a divulgação consistente de informações sobre os fluxos financeiros alinhados à Taxonomia, mencionando a criação de uma plataforma centralizada com o objetivo de garantir a integridade das informações. Isso é fundamental para avaliar a efetividade dessa ferramenta para a transição para uma economia sustentável.

4

Os requisitos e critérios para as atividades relacionadas a uso da terra devem seguir um mesmo padrão.

O Plano menciona que as categorias para uso da terra podem seguir um formato não binário, de gradações de práticas, desde a mais convencional até a mais transformadora do ponto de vista dos objetivos da Taxonomia. Esse tratamento diferenciado do uso da terra na Taxonomia é algo que encontra respaldo nas experiências analisadas neste relatório, dada a complexidade em se atribuir critérios não apenas às atividades em si, mas às práticas adotadas na ponta, dentro de uma propriedade rural. No entanto, é importante que a estrutura dos requisitos e critérios das diferentes atividades para o setor de uso da terra sigam um mesmo padrão, o que permite a comparabilidade e a avaliação do grau de alinhamento de investimentos entre diferentes setores.

5

Os requisitos de conformidade regulatória devem ser vistos como o primeiro passo para definir atividades e projetos elegíveis aos critérios da Taxonomia.  

O Plano de Ação faz referência a alguns compromissos e normativos nacionais que seriam vinculados à Taxonomia.[3] No caso das atividades de uso da terra, há um bom ponto de partida: os impedimentos sociais, ambientais e climáticos previstos para o crédito rural a partir da Resolução CMN nº 5081/2023.[4] Além de estabelecer as normas, a resolução também indica as bases de dados que podem ser utilizadas para fazer a avaliação e o monitoramento de conformidade.

6

O nível de aplicação dos critérios da Taxonomia deve ser mais granular do que a atividade econômica.  

A utilização do Cadastro Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) para atribuir classificações no nível da atividade econômica se mostra insuficiente para o caso do uso da terra, algo que foi reconhecido, por exemplo, pela Taxonomia Verde da Febraban ao propor um módulo complementar para atividades agropecuárias no nível dos programas de crédito rural.[5] As experiências analisadas neste relatório quase sempre descem a um nível mais granular, seja da operação de financiamento em si ou da propriedade rural.

7

Os procedimentos de verificação e monitoramento precisam ser custo-efetivos e adaptados à escala necessária de implementação da Taxonomia.

Neste caso, recomenda-se proceder em etapas e estabelecer tipos diferentes de aplicação das classificações de projetos de financiamento, de modo a reduzir a necessidade de visitas às propriedades rurais, o que pode ter um custo financeiro elevado. Por exemplo, pode-se dividir as unidades classificadas em três tipos:

Elegíveis automaticamente: projetos que necessitam submeter informações técnicas para avaliação antes de receber os recursos. Essas informações, se aderentes a critérios estabelecidos pela Taxonomia, podem receber a classificação de sustentáveis, sem verificações adicionais.

Necessitam checagem remota: projetos que podem requerer algum tipo de verificação adicional, mas que pode ser feita remotamente, por exemplo, através de ferramentas de sensoriamento remoto.[6]

Requerem verificação in loco: em alguns casos, a checagem remota não será suficiente. Então será necessário avaliar localmente a aplicação de certas práticas a partir de uma visita técnica.[7]

Cada uma dessas possibilidades enseja recomendações específicas. Por exemplo, no caso das operações elegíveis automaticamente, pode-se utilizar o próprio Sicor, que já registra uma grande quantidade de informações sobre tomadores de crédito rural. Nesse caso, é preciso aprimorar a forma de preenchimento dos campos do sistema e reforçar as críticas — verificações que o BCB faz a partir do preenchimento das instituições financeiras para averiguar a veracidade da informação. O sistema pode, inclusive, ser utilizado como um cadastro para outros fins, uma vez que possui o histórico de contratação de crédito rural para diversas pessoas físicas e propriedades rurais.

No caso das operações que requerem checagem remota, é importante incorporar as ferramentas de sensoriamento remoto existentes ao processo de verificação dos critérios da taxonomia, além de investir no aprimoramento constante de tais ferramentas. Além disso, essas tecnologias podem ser utilizadas como uma primeira linha de atuação para, inclusive, mapear casos que necessitam de verificações adicionais mais precisas.

Já as verificações in loco podem ocorrer de diversas formas. Um exemplo seria cadastrar instituições certificadoras para aplicar protocolos aceitos pela Taxonomia. Esses protocolos podem, por exemplo, utilizar metodologias da Embrapa para o setor de uso de terra, que já são difundidas e possuem reconhecimento técnico. Além disso, programas que buscam atribuir selos de certificação de determinadas práticas, como o Programa Carbono + Verde (Mapa) e os Programas Selo Verde e Selo Amazônia (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços – MDIC), devem estar alinhados a esses critérios e protocolos, de modo a evitar confusão e insegurança para os usuários da Taxonomia.

8

A Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) deve ser contemplada na categoria de atividades viabilizadoras.  

Em muitos casos, pode ser necessário especificar atividades de assistência técnica para garantir a implementação de uma prática. O Plano de Ação prevê a possibilidade de atividades viabilizadoras — que não geram impacto nos objetivos diretamente, mas viabilizam uma outra atividade elegível à Taxonomia — o que seria aplicável nesse caso.[8]

9

A implementação da Taxonomia deve ocorrer de forma gradual, dinâmica e participativa.  

É importante reiterar a natureza gradual, dinâmica e participativa do processo de elaboração dos critérios da Taxonomia. Gradual, pois é inviável desenvolver todos os critérios de só uma vez; será necessário priorizar. Nesse caso, começar pelo que for mais consensual e verificável pode ser um caminho. Dinâmica, pois uma classificação não será definitiva; poderá ser revista e aprimorada continuamente à medida que novas evidências surjam. E participativa, pois envolverá diversos órgãos executores de política pública, reguladores, sociedade civil, academia e o setor privado.

Cobrir a economia inteira ou mesmo um setor inteiro com todos os objetivos listados pelo Plano de Ação pode ser uma tarefa muito ambiciosa. Nesse sentido, sugere-se o estabelecimento de um roadmap, que defina etapas com diferentes níveis de exigência e um cronograma para a implementação de cada etapa. Pode-se pensar, por exemplo, em implementar a Taxonomia de forma piloto no setor bancário, seguindo o exemplo da Colômbia. As instituições financeiras já operam com boas práticas nos níveis estratégico, operacional e técnico, e já existem regulações e autorregulações que podem ser harmonizadas a Taxonomia. Em seguida, estabelece-se um plano de implementação para o mercado de capitais, que é mais pulverizado.[9]

10

Os atores envolvidos na Taxonomia precisam atuar de forma coordenada e orientar seus usuários.

Nesse sentido, é crucial definir de forma clara as obrigações e responsabilidades das instituições financeiras, estruturadores no mercado de capitais, reguladores (como o BCB e a CVM), autorreguladores e formuladores de política pública para com a Taxonomia. Nesse caso, a experiência da União Europeia é particularmente relevante, pois estabelece uma série de vinculações com outras regulações de forma clara. Já no caso da Colômbia, por exemplo, a taxonomia é um documento-guia sem vinculações regulatórias claras.  Marcos legais e regulações domésticas relacionadas a investimentos sustentáveis, sejam novas ou existentes, devem estar embasados na taxonomia, adotando em âmbito doméstico o mesmo princípio de harmonização e interoperabilidade pensado em relação a taxonomias de outros países.

Pontos de Atenção
O estabelecimento dos critérios da Taxonomia Sustentável Brasileira, ainda que fundamentado em bases científicas, deverá envolver diversas discussões entre os agentes públicos e privados para se chegar a consensos. Este box apresenta alguns pontos de atenção derivados da análise empreendida no relatório. Não é o objetivo do relatório apresentar uma solução para esses pontos, mas apenas trazê-los para discussão em um processo participativo e contínuo de elaboração dos critérios da Taxonomia no Brasil.

Definir claramente o alcance do princípio de não prejudicar significativamente (Do No Significant Harm – DNSH) dentro da Taxonomia. Em tese, qualquer atividade que gere impacto negativo em algum dos objetivos da Taxonomia não poderia receber uma classificação sustentável, mesmo que apresente impactos positivos em uma das dimensões. No entanto, em alguns casos, a medida do dano pode entrar em contradição com regulações em vigor.

Suponha, por exemplo, uma lavoura de soja que utiliza práticas de baixo carbono, como o Sistema Plantio Direto (SPD), mas emprega defensivos agrícolas, que podem gerar danos em outras dimensões, como por exemplo, na qualidade da água. O uso do referido agrotóxico, contudo, pode estar em consonância com as regulamentações sanitárias brasileiras, que estipulam tipos e limites de uso no país (Anvisa 2020).

Outro exemplo de possível conflito entre o princípio de DNSH e a conformidade regulatória é a questão do desmatamento. No Brasil, o Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) prevê margens de desmatamento legal. No entanto, rigorosamente falando, uma atividade que gere impacto positivo, mas, ao mesmo tempo, gere desmatamento, pode ferir o princípio de DNSH, mesmo que esteja dentro da lei.

Em tais casos, não é inteiramente claro como a Taxonomia deve lidar com a existência de impactos negativos que parecem ser suficientes para acionar o princípio de DNSH, mas que podem estar em conformidade regulatória. Definir qual vai ser o alcance do DNSH na Taxonomia Brasileira é um desafio em aberto e será um ponto central da elaboração dos critérios de elegibilidade da Taxonomia.

Definir de forma exata as práticas sustentáveis consideradas para elaboração dos critérios. O estudo de caso do crédito rural revelou o quão sensível pode ser a mensuração dos fluxos alinhados a objetivos de sustentabilidade a depender da classificação utilizada.

Tomando novamente o exemplo do plantio direto, segundo o Plano ABC+, para ser considerada agricultura de baixo carbono, o SPD requer a conjunção de três práticas: mínimo revolvimento, uso de palhada e rotação de culturas. No entanto, apenas 15% do cultivo “elegível” ao SPD no Brasil utiliza o sistema em sua completude (Mapa 2021a). Por outro lado, o critério dos Sistemas Produtivos Ambientalmente Sustentáveis (SPAS) (Mapa 2022) atribui que 78% de toda a produção de soja no país utiliza plantio direto e, portanto, deve ser considerada sustentável. É possível que parte dessa produção, na verdade, esteja utilizando uma versão incompleta do SPD. Nesse caso, pode-se pensar em categorias de adequação à prática por meio de uma classificação não-binária, na qual a adoção incompleta do SPD seria uma etapa intermediária e a adoção completa do SPD, uma etapa mais avançada. No entanto, é preciso que o processo de discussão e elaboração dos critérios chegue a um consenso sobre esse tipo de questão.

Definir o nível de aplicação da Taxonomia. O Plano de Ação (MF 2023a) fala em “ativos, projetos ou investimentos” como sendo a unidade classificada como sustentável. No caso das atividades de uso da terra, esses projetos tipicamente ocorrem em propriedades rurais que podem ter várias atividades diferentes ocorrendo simultaneamente. Uma possibilidade seria atribuir uma classificação para a unidade produtiva (propriedade rural) para além dos projetos.

Por um lado, deixar de olhar para a propriedade ao avaliar um projeto acarreta o risco de classificá-lo como sustentável, enquanto a mesma propriedade opera com técnicas não sustentáveis em outras parcelas de terra. Por outro lado, avaliar a propriedade como um todo pode ser difícil, pois requer constante revalidação dessa classificação ao longo do tempo. Não é inteiramente claro qual unidade deve ser preferida, mas certamente é importante que a Taxonomia olhe para esses dois níveis de classificação ao analisar critérios aplicáveis ao uso de terra.[10]

Mapeamento de Iniciativas de Classificação de Atividades Sustentáveis para Uso da Terra

O esforço de construção dos critérios para classificar atividades de uso da terra dentro do escopo da Taxonomia Sustentável Brasileira pode se beneficiar enormemente da análise de iniciativas já existentes ou em fase de elaboração com objetivos similares. Com o objetivo de estabelecer uma base para a discussão dos critérios de sustentabilidade associados às atividades de uso da terra, esta seção apresenta um levantamento dessas iniciativas, de modo a montar um panorama de referências e buscar suas complementariedades e diferenças.[11]

Foram selecionadas iniciativas de classificação de atividades de uso da terra de acordo com o impacto ambiental/climático ou socioeconômico gerado.[12] A seleção se baseou principalmente em referências utilizadas como inspiração para a construção da Taxonomia Brasileira Sustentável, bem como programas e propostas de políticas públicas nacionais que impactam a sustentabilidade do setor de uso da terra. Foram incluídas ainda iniciativas com objetivos similares, mas que ainda estão em estágio de elaboração, de modo a avaliar como tais iniciativas podem estar harmonizadas com a Taxonomia em processo de construção.

Essas iniciativas foram organizadas em dois grupos. O primeiro grupo abarca as taxonomias para setores econômicos mais amplos, que englobam critérios específicos para uso da terra. Esse grupo contempla as taxonomias internacionais utilizadas como base no Plano de Ação da Taxonomia Sustentável Brasileira, bem como taxonomias nacionais que possuem critérios para uso da terra. O segundo grupo é composto pelas demais iniciativas que buscam de alguma forma estabelecer critérios para práticas sustentáveis, sem necessariamente constituir uma taxonomia.

As iniciativas são apresentadas segundo seus respectivos grupos por ordem cronológica de ano de lançamento, a saber:

Taxonomias Internacionais

  • • Taxonomia da Climate Bonds
  • • Taxonomia da União Europeia (UE)
  • • Taxonomia Verde da Colômbia (TVC)
  • • Taxonomia Sustentável do México

Taxonomias Domésticas

  • • Taxonomia Verde da Federação Brasileira de Bancos (Febraban)
  • • Taxonomia de Sustentabilidade do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)

Outras Iniciativas (domésticas)

  • • Sistema de Avaliação de Impactos Ambientais de Inovações Tecnológicas Agropecuárias (Ambitec-Agro) da Embrapa
  • • Avaliação Ponderada de Impacto Ambiental de Atividades do Novo Rural (APOIA-NovoRural) da Embrapa
  • • Tecnologias do Plano ABC+ (SPSABC) do Mapa
  • • Consulta Pública nº 82/2021 do BCB
  • • SPAS do Plano Safra, iniciativa do Mapa
  • • Programa Carbono + Verde
  • • Programa Selo Verde
  • • Programa Selo Amazônia

Cada iniciativa será objeto de análise específica que busca entender e comparar similaridades e diferenças com relação aos critérios utilizados. Entender os elementos e os objetivos dessas iniciativas é importante para que aquelas ainda em construção desenvolvam critérios harmonizados a partir de iniciativas já consolidadas. Neste documento, analisamos a versão mais atualizada de cada iniciativa segundo os seguintes aspectos:

  • • Ator responsável
  • • Estágio de implementação
  • • Natureza do ator responsável
  • • Tipo de uso
  • • Mecanismos legais
  • • Objetivos
  • • Escopo (incluindo definição de sustentabilidade utilizada)
  • • Critérios para setores de uso da terra[13]

A Figura 1 sintetiza a apresentação desses aspectos para cada iniciativa e resume as principais características das iniciativas através de uma linha do tempo.[14] Tais informações serão detalhadas na descrição de cada iniciativa.

Em alguns casos, as iniciativas reportam critérios específicos, que podem ser utilizados para categorizar fluxos financeiros direcionados para o uso da terra no Brasil.[15] Após a descrição das iniciativas, este relatório apresenta um estudo de caso da aplicação desses critérios no universo do crédito rural no Brasil, principal política de financiamento ao setor agropecuário, de modo a avaliar a sensibilidade do uso de uma ou outra classificação para mensurar a magnitude das atividades sustentáveis.

Este relatório não apresenta uma lista exaustiva de todas as iniciativas que devem ser consideradas tanto para prover insumos para os critérios da Taxonomia Sustentável Brasileira quanto para terem seus próprios critérios harmonizados com a nova Taxonomia.[16]

Figura 1. Linha do Tempo e Principais Características das Iniciativas Analisadas

Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados de MF (2023a); MDIC (2023a, 2023b); BNDES (2022, 2023); Maia (2023); Mapa (2022, 2023a, 2023d); SHCP (2023); BCB (2021a); Gobierno de Colombia (2022); Febraban (2021); Regulamento UE nº 2020/852; CBI (2023a) e Embrapa (2015a; 2015b), 2024


Este trabalho é financiado por Gordon and Betty Moore Foundation e pela Embaixada do Reino dos Países Baixos. Nossos parceiros e financiadores não necessariamente compartilham das posições expressas nesta publicação.
Os autores gostariam de agradecer a Renan Florias pelo suporte para pesquisa; Juliano Assunção, Natalie Hoover El Rashidy, Priscila Souza e Mariana Stussi pelos comentários e sugestões; Giovanna de Miranda, Camila Calado e Maria Bourgeois pela revisão e edição do texto e Nina Oswald Vieira e Meyrele Nascimento pela elaboração das figuras e formatação do texto.


[1] Para mais detalhes sobre as atividades de uso da terra, ver: Chiavari, Joana, Priscila Souza, Gabriela Coser e Renan Florias. Panorama de Financiamento Climático para Uso da Terra no Brasil. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2023. bit.ly/PanoramaUsoDaTerra.

[2] Essas iniciativas podem ser taxonomias propriamente ditas ou outros tipos de classificação, sejam elas nacionais ou internacionais, públicas ou privadas. Elas têm propósitos e requisitos diversos e estão em estágios de implementação diferentes.

[3] Dentre eles, vale destacar os critérios de exclusão previstos no Arcabouço Brasileiro para Títulos Soberanos Sustentáveis, que prevê atividades para as quais não pode haver destinação dos recursos captados através desses títulos. Para saber mais: Ministério da Fazenda (MF). Arcabouço Brasileiro para Títulos Soberanos Sustentáveis. 2023. Data de acesso: 04 de março de 2024. bit.ly/3wVg5Ac.

[4] Os impedimentos citados pela normativa se referem sobretudo à conformidade do tomador de crédito rural e da propriedade associada ao empreendimento financiado com legislações ambientais, fundiárias, trabalhistas, etc., como mostrado na seção sobre a Consulta Pública nº 82/2021 do BCB.

[5] A Febraban propõe, inclusive, a atualização e a revisão de alguns códigos da CNAE como uma possibilidade de aprimoramento das informações necessárias para construir uma taxonomia. Para saber mais: Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Contribuições da Febraban à Consulta Pública do Plano de Ação da Taxonomia Sustentável Brasileira. In: Ministério da Fazenda (MF). Taxonomia Sustentável Brasileira – Textos enviados. 2023. bit.ly/3TJeWVf.

[6] Um exemplo seria a verificação do vigor de pastagens para um projeto que envolva a recuperação de pastagens degradadas. A partir de um certo tamanho de propriedade, os dados de sensoriamento remoto do módulo de pastagens da Plataforma MapBiomas podem ser utilizados como uma primeira linha de atuação nesse caso.

[7] Uma forma de tornar essa verificação mais custo-efetiva pode ser priorizando as propriedades maiores para verificações in loco, pois cobre-se uma parcela maior do território com número menor de visitas.

[8] Estudo do CPI/PUC-Rio mostra que a assistência técnica foi um fator crucial para a implementação de técnicas de recuperação de pastagens degradadas para pequenos produtores no caso do ABC Cerrado. Para saber mais: Souza, Priscila, Wagner Oliveira, Mariana Stussi e Arthur Bragança. O Desafio da Adoção de Práticas Sustentáveis por Produtores Rurais. O Caso do ABC Cerrado. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2022. bit.ly/EstudoABCCerrado.

[9] A obrigatoriedade do registro e depósito de Cédula de Produto Rural (CPR) pode ser usada como referência para operacionalização da Taxonomia. Para essa medida, a Resolução CMN nº 4.870/2020 estabeleceu um calendário para a implementação de modo a oferecer um prazo para que os agentes do mercado se adaptassem aos requisitos do regulamento, incluindo o desenvolvimento de sistemas eletrônicos de infraestrutura. Além disso, na definição dos critérios de obrigatoriedade do registro de CPR, o regulamento foi desenhado de modo a atender produtores rurais de diferentes portes — pequeno, médio e grande (Voto BCB nº 321/2020).

[10] Vale destacar que o Plano de Ação já leva em consideração essa possibilidade ao afirmar que “além da classificação de atividades individuais, pode-se considerar algumas medidas associadas à taxonomia que incorporem informações no nível da organização. Não considerar o perfil completo de sustentabilidade da organização pode aumentar o risco de lavagem verde, se, por exemplo, uma organização emite um título verde para financiar atividades específicas sem alterar seu impacto líquido no objetivo climático, ambiental ou social em questão” (Ministério da Fazenda (MF). Taxonomia Sustentável Brasileira – Plano de Ação para consulta pública. 2023, p. 57. bit.ly/3x9iFTq.).

[11] Outras organizações empreenderam esforços nessa linha, com destaque para o relatório do Laboratório de Inovação Financeira – LAB (Baccas 2023). O presente relatório busca agregar ao apresentar insumos para a definição e implementação de critérios da Taxonomia com foco no setor de uso da terra.

[12] Existem iniciativas que analisam, por exemplo, o grau de exposição das atividades ao risco das mudanças climáticas, como é o caso da Taxonomia da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Ainda que esse aspecto seja relevante do ponto de vista de adaptação, o foco deste documento é o impacto gerado (potencialmente positivo no caso de atividades classificadas com algum grau de sustentabilidade), tendo em vista que a maior parte das iniciativas existentes foca nesse ponto.

[13] A lista de critérios técnicos para atividades econômicas de cada taxonomia é bastante extensa e complexa. Portanto, para fins da análise deste relatório, apresenta-se uma versão simplificada desses critérios que possa ser consultada no momento de elaboração dos critérios da Taxonomia Sustentável Brasileira.

[14] Este documento compara as versões mais recentes de cada iniciativa em janeiro de 2023, quando o relatório foi desenvolvido. Porém, as iniciativas podem atualizar seus critérios técnicos antes da publicação do relatório.

[15] Para um estudo amplo sobre fluxos financeiros direcionados para uso da terra no Brasil, segundo objetivos de mitigação e adaptação climática, ver: Chiavari, Joana, Priscila Souza, Gabriela Coser e Renan Florias. Panorama de Financiamento Climático para Uso da Terra no Brasil. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2023. bit.ly/PanoramaUsoDaTerra.

[16] Alguns exemplos de iniciativas que não foram analisadas, mas que certamente deverão ser consideradas nesse processo, são: (i) o Arcabouço Brasileiro para Títulos Soberanos Sustentáveis (MF 2023e), que apresenta critérios para despesas públicas elegíveis para destinação de recursos de títulos da dívida sustentáveis; (ii) a Agenda Transversal do Meio Ambiente do Plano Plurianual (PPA) 2024-2027, que sistematiza os compromissos federais para a área ambiental para planejamento e orçamento (MPO 2024); (iii) as resoluções da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que apresentam exigências informacionais sobre aspectos ASG e correlatos, incluindo a rotulagem de fundos sustentáveis (CVM 2023); e (iv) as regras e procedimentos para investimentos em ativos sustentáveis publicadas pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima 2023).


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