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O Plano Safra é o principal instrumento da política agropecuária brasileira. Portanto, é fundamental o seu alinhamento com as metas climáticas do país. A partir de estudos sobre a política pública e a produção agropecuária brasileira, pesquisadores do Climate Policy Initiative/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio) apresentam 13 propostas para impulsionar a sustentabilidade do Plano Safra 2025/2026.

​As propostas delineadas são cruciais para que o Brasil avance na produção agropecuária sustentável e de baixo carbono e nas ações de mitigação e adaptação aos riscos climáticos.​

Regulação de riscos socioambientais e climáticos​

1. Crédito rural e desmatamento ilegal

Proposta: Fortalecer as restrições ao crédito rural para propriedades com desmatamento ilegal.

A Resolução CMN nº 5193/2024 avançou nessa direção. Mas é possível ir além e dissociar totalmente a política de crédito rural do desmatamento ilegal, através de medidas como:​

  • Exigência explícita de monitoramento durante todo o período de vigência da operação de crédito, e não apenas no momento da liberação de recursos.​
  • Expansão da restrição ao crédito para propriedades com desmatamento ilegal para todo o universo do crédito rural e não apenas para operações com recursos controlados e direcionados. Todo o crédito rural conta com benefícios fiscais como alíquota zero de IOF, ou seja, com recursos da sociedade brasileira;​
  • Expansão da linha de corte para julho de 2008 em diante (em vez de julho de 2019 em diante como atualmente). Dessa forma, a regulação estará alinhada ao Código Florestal;​
  • Detalhamento sobre a verificação de legalidade do desmatamento;​

2. Crédito rural subsidiado e desmatamento

Proposta: O crédito rural subsidiado não deve ser concedido para propriedades com desmatamento, seja esse legal ou ilegal.

  • A sociedade direciona elevados recursos para o crédito rural. Além dos subsídios explícitos na forma de equalização de taxas de juros, o crédito rural conta com fontes públicas de financiamento, benefícios fiscais, renegociação e direcionamento de recursos privados.​
  • É preciso garantir que os recursos da sociedade gerem retornos através da modernização do setor rural e da transição para uma agropecuária sustentável e de baixo carbono.​
  • A abundância de terras já desmatadas e subutilizadas no Brasil oferece a oportunidade de expandir a produção agropecuária sem remover vegetação nativa adicional. ​
  • O desmatamento, mesmo autorizado, gera diversos custos sociais, econômicos, ambientais e climáticos. Para citar apenas um exemplo, o desmatamento gera alterações nos padrões de chuva que impactam negativamente a geração de energia e a própria agricultura.​
  • Como os recursos públicos são escassos, eles devem priorizar produtores que não desmatam, que adotam práticas agropecuárias sustentáveis, além de também incluir os produtores mais vulneráveis que ainda não acessam o crédito rural.​

Taxonomia e Práticas Sustentáveis​

3. Crédito e práticas sustentáveis

Proposta: Definir práticas agropecuárias sustentáveis para estabelecer condições diferenciadas de financiamento.

• A definição dos critérios para práticas sustentáveis deve estar em linha com a Taxonomia Sustentável Brasileira, que está sendo desenvolvida sob a coordenação do Ministério da Fazenda e tem previsão de lançamento em meados de 2025:​

  • As salvaguardas para alinhamento com a Taxonomia devem refletir, no mínimo, o que já está em vigor para o crédito rural;​
  • Os critérios devem ser passíveis de monitoramento e verificação em larga escala com os dados disponíveis, reduzindo custos de observância;​
  • A assistência técnica para adoção de práticas sustentáveis deve ser considerada atividade viabilizadora e, portanto, passível de obter condições facilitadas de financiamento.​

Recuperação de Pastagens​

4. Recuperação de pastagens: monitoramento e avaliação

Proposta: Monitorar o crédito para projetos de recuperação de pastagens e avaliar desafios técnicos.

  • Instrumentos financeiros para recuperação de pastagens, como a linha de crédito RenovAgro Recuperação e Conversão e o Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas em Sistemas de Produção Agropecuários e Florestais Sustentáveis (PNCPD) devem ter seus projetos de financiamento acompanhados. É preciso aprimorar o monitoramento das áreas após a liberação do crédito e verificar o cumprimento do projeto técnico submetido para a obtenção dos recursos.​
  • É preciso avaliar tecnicamente as condições ambientais dos empreendimentos, de modo a compreender, na ponta, os desafios dos produtores em relação às técnicas de recuperação de pastagem. Uma forma custo-efetiva de implementar essa verificação é através de amostragem, por exemplo.​

5. Recuperação de pastagens: avaliação das áreas especificadas nos projetos de crédito

Proposta: O crédito para recuperação de pastagens deve ser concedido apenas para áreas que sejam de fato pastagens degradadas e excluir áreas recém-desmatadas.

• A declaração das áreas que vão receber os investimentos deve refletir, de fato, a área de pastagem a ser recuperada.​

  • Observa-se que mais de ¼ das áreas declaradas no ABC Recuperação não corresponde a pastagens no momento da tomada do crédito.​

• O financiamento para recuperação de pastagem não deve beneficiar áreas recém-desmatadas.​

  • É preciso avaliar as áreas declaradas antes da liberação dos recursos e focalizar o crédito nos produtores que adotam boas práticas de forma consistente.​

6. Recuperação de pastagens: articulação do crédito com outros instrumentos

Proposta: Ampliar a efetividade do crédito para recuperação de pastagens através da articulação com assistência técnica, instrumentos de gerenciamento de risco e renda de transição.​

  • A assistência técnica para recuperação é crucial, sobretudo para áreas mais degradadas, que exigem intervenções mais complexas;​
  • ​Associar o crédito com instrumentos de gerenciamento de risco também pode maximizar seus impactos. O sucesso da recuperação pode depender de fatores que estão fora do controle do produtor, tais como variações climáticas e de preços. Nesse sentido, é importante aumentar a disponibilidade de apólices de seguro rural de prazo mais alongado;​
  • ​Durante o período de implementação das técnicas de recuperação, parte da área pode ficar inviabilizada para uso econômico. O pagamento de uma renda de transição nos primeiros anos da operação, sobretudo para produtores de menor porte, pode aumentar a viabilidade econômica do investimento.​

Código Florestal​

7. Alinhamento do crédito rural com o Código Florestal

Proposta: Plano Safra deve incentivar a regularização ambiental do produtor rural, oferecendo condições diferenciadas de crédito para aqueles em conformidade com a legislação ambiental.

  • Atualmente, produtores com o Cadastro Ambiental Rural (CAR) validado possuem maior limite de crédito de custeio e desconto de 0,5 pp na taxa de juros do financiamento.​
  • É possível ir além: produtores em conformidade com o Código Florestal com excedente de Reserva Legal devem ter acesso a melhores condições de financiamento. Além disso, produtores com Programa de Regularização Ambiental (PRA) ou documento equivalente também podem ter crédito mais favorecido. ​
  • Além disso, é preciso ampliar os prazos de financiamento para projetos de restauração e adequação ambiental.​

Fundos Constitucionais de Financiamento

8. Fundos Constitucionais: destinação dos recursos

Proposta: Os Fundos Constitucionais de Financiamento devem priorizar de forma mais efetiva os produtores vulneráveis e destinar recursos para a agropecuária sustentável. 

  • Os Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte, Nordeste e Centro-Oeste devem seguir as mesmas regras e critérios de elegibilidade do Sistema Nacional de Crédito Rural.​
  • Recursos dos Fundos Constitucionais devem priorizar produtores mais vulneráveis e regiões menos desenvolvidas.​
  • Os Fundos Constitucionais de Financiamento devem destinar mais recursos para o RenovAgro e o Pronaf ABC+ para financiar projetos sustentáveis.​

Expansão do acesso ao crédito​

9. Acesso ao crédito para pequenos produtores

Proposta: O Pronaf deve efetivamente priorizar os produtores mais vulneráveis.

  • Os agricultores familiares correspondem a 75% das propriedades rurais do país. No entanto, apenas 15% dos agricultores familiares obtêm crédito (Souza e Albuquerque, 2023). ​
  • ​O Pronaf deve aliviar as restrições financeiras dos produtores mais vulneráveis, o que promoverá ganhos de produtividade. ​
  • ​A redução de taxas de juros para linhas, produtos e públicos específicos dentro do Pronaf é bem-vinda, como vem sendo feito para produtos da sociobiodiversidade. No entanto, a medida pode ser insuficiente para garantir a inclusão de novos produtores.​
  • ​A análise de risco de crédito e seleção dos tomadores é realizada pelas instituições financeiras. É preciso garantir que parte dos recursos do Pronaf sejam direcionados para os perfis priorizados e reduzir os gargalos de acesso ao crédito, como a falta de garantias, de regularização fundiária e de acesso a instrumentos de gerenciamento de risco adequados.​

Gestão de risco agropecuário​

10. Impedimentos sociais, ambientais e climáticos no PSR

Proposta: O Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) deve seguir os mesmos impedimentos sociais, ambientais e climáticos que valem para o crédito rural.

  • O novo Plano Nacional de Gestão de Risco Agropecuário prevê uma parte desses impedimentos: trabalho escravo, áreas embargadas, terras indígenas, Unidades de Conservação, sítios arqueológicos, comunidades quilombolas.​
  • Embora esse novo plano represente um avanço importante, ainda não estão harmonizados com os impedimentos vigentes do crédito rural, que incluem também a análise de situação do CAR e imóveis situados em área de Floresta Pública Tipo B, além da previsão de impedimento para imóveis com desmatamento ilegal.​
  • Critérios socioambientais da subvenção do PSR devem valer para toda a área do CAR e não somente para a área segurada. ​

11. Priorização do PSR e do Proagro para produtores com boas práticas ambientais

Proposta: Priorização de recursos do PSR e do Proagro para produtores que não estão envolvidos com desmatamento ilegal e que utilizam práticas agropecuárias sustentáveis. 

  • ​Com a escassez de recursos do PSR e do Proagro, o critério de alocação desses programas pode ser aprimorado para promover melhores práticas agropecuárias. ​
  • ​Os subsídios devem beneficiar produtores que possuam certificações de práticas sustentáveis, estejam alinhados com a Taxonomia Sustentável Brasileira ou tenham contratado as linhas de crédito alinhadas ao Plano ABC+.​
  • ​Disponibilização de seguro para viveiros e ampliação do PSR para atender os produtos e atividades relacionados a restauração.​

12. Cobertura do PSR

Proposta: Recursos do PSR devem favorecer produtores de menor porte e regiões onde a cobertura ainda é escassa.  

  • ​Pequenos produtores têm dificuldade de acesso a instrumentos de gerenciamento de risco e hoje são atendidos em sua maioria pelo Proagro.​
  • ​Em regiões em que o risco climático é elevado, a tendência é que as seguradoras aumentem os preços, limitem a oferta de seguros ou mesmo decidam não entrar no mercado.​
  • ​O Brasil tem muitos produtores e regiões com pouco acesso a seguro e outros instrumentos de gerenciamento de risco.​

13. Fundo público-privado e estímulo ao resseguro

Proposta: Avançar com a regulamentação e a operacionalização de um fundo público-privado e impulsionar atividades das resseguradoras. 

  • ​Garantir a solvência das seguradoras é importante frente a um cenário de risco crescente devido às mudanças climáticas.​
  • ​As seguradoras devem ter instrumentos para se proteger de perdas agropecuárias generalizadas, que geram dificuldades para arcar com as indenizações. ​
  • Um fundo público-privado pode ajudar na expansão dos instrumentos de gerenciamento de risco. Da mesma forma, as resseguradoras são fundamentais para o funcionamento do mercado de seguros.​​

Referências

Antonaccio, Luiza et al. Ensuring Greener Economic Growth for Brazil. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2018. bit.ly/GreenerEconomic.​

​Assunção, Juliano e Priscila Souza. Alinhamento do crédito rural com o Código Florestal: resultados podem ser obtidos sem custos adicionais. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2019. bit.ly/AlinhamentoCreditoCodigoFlorestal. ​

​Assunção, Juliano e Priscila Souza. Os impactos do Crédito Rural na produção agropecuária e no uso da terra: Uma análise por linhas de crédito, tipo de produtor e finalidade do crédito. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2020. bit.ly/ImpactosDoCréditoRural2020. ​

​Mourão, João, Mariana Stussi e Priscila Souza. CAR a CAR: A relação entre o crédito rural subsidiado e o desmatamento. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2024. bit.ly/CARaCAR.​

​Oliveira, Wagner, Gabriela Coser, Carolina M. de Moura e Priscila Souza. Taxonomia Sustentável Brasileira: Insumos para classificação de atividades de uso da terra. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2024. bit.ly/TaxonomiaBrasileira. ​

​Oliveira, Wagner, Priscila Souza e Juliano Assunção. O Impacto do crédito do Programa ABC para a recuperação de pastagens: evidências para o Cerrado. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2024. bit.ly/RecuperacaoDePastagens.​

​Pereira, Leila e Priscila Z. Souza. Prioridades que não priorizam: descompasso entre objetivos e aplicação de recursos dos fundos constitucionais levam à concentração do crédito no setor rural. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2022. bit.ly/Fundos-Constitucionais. ​

Pinto, Gustavo R. S., João Arbache, Luiza Antonaccio e Joana Chiavari. (Des)matando as Hidrelétricas: A Ameaça do Desmatamento na Amazônia para a Energia do Brasil. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2024. bit.ly/DesmatandoAsHidreletricas.​

​Souza, Priscila e Amanda de Albuquerque. Agricultura Familiar Brasileira: Desigualdades no Acesso ao Crédito. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2023. bit.ly/AgriculturaFamiliarBrasileira. ​

​Souza, Priscila e Juliano Assunção. Gerenciamento de Risco na Agricultura Brasileira: Instrumentos, Políticas Públicas e Perspectivas. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2020. bit.ly/RiscoNaAgricultura. ​

​Souza, Priscila, Leila Pereira e Mariana Stussi. Revelando Incentivos: Implicações do Desenho das Políticas Públicas de Seguro Rural no Brasil. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2022. bit.ly/SeguroRuralnoBrasil. ​

​Souza, Priscila, Mariana Stussi, João Mourão e Wagner Oliveira. CAR a CAR: As Instituições Financeiras e o Crédito para Propriedades com Desmatamento. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2024. bit.ly/InstFinanceiras_Desmatamento. ​

​Souza, Priscila, Wagner Oliveira e Mariana Stussi. Desafios do Seguro Rural no Contexto das Mudanças Climáticas: o Caso da Soja. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2023. bit.ly/DesafiosDoSeguroRural. ​

​Souza, Priscila, Wagner Oliveira, Mariana Stussi e Arthur Bragança. O Desafio da Adoção de Práticas Sustentáveis por Produtores Rurais. O Caso do ABC Cerrado. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2022. bit.ly/ABC-Cerrado. ​

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