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A exploração de madeira na Amazônia existe há mais de 300 anos, mas houve um impulsionamento significativo a partir da década de 1960, com a abertura de rodovias na floresta.[1] Um modelo de exploração predatório, extensivo e não planejado se consolidou na década de 1980, quando se estabeleceram os primeiros grandes polos madeireiros na região, fruto dos incentivos governamentais à agropecuária, mineração e extração madeireira e do desmatamento decorrente dessas atividades.[2],[3]

Foi num contexto de crescimento sem precedentes do desmatamento e da grilagem de imensas extensões de terras[4] que, em 2006, foi editada a Lei de Gestão de Florestas Públicas (LGFP)[5] com a finalidade de assegurar a utilização sustentável das florestas públicas brasileiras, principalmente da Amazônia, através da implementação de um sistema de concessão florestal no Brasil.

As experiências internacionais com concessão florestal não foram bem-sucedidas na maioria dos casos, seja porque a variável ambiental não se fez presente, seja porque os governos falharam na fiscalização e no monitoramento da atividade.[6] No Brasil, a concessão florestal, implementada pela LGFP, buscou distanciar-se dessas experiências ao conciliar a proteção ao meio ambiente com a exploração privada lucrativa de recursos naturais, além de servir como instrumento de desestímulo à grilagem.

Apesar de a lei ter sido muito celebrada e de ter gerado grandes expectativas, as concessões federais de florestas públicas na Amazônia ficaram muito aquém do esperado e restringem-se, hoje, à extração de madeira em apenas cerca de 1,3 milhão de hectares.  A estimativa do governo federal, em 2006, quando foi editada a LGFP, era de que houvesse 4 milhões de hectares de florestas concedidas em 2010.[7] As concessões estaduais na Amazônia têm avançado ainda mais lentamente: apenas 551 mil hectares estão em exploração em apenas dois estados — Pará e Amapá.

Muitas causas têm sido atribuídas a esse crescimento tímido, entre as quais: a concorrência com o mercado ilegal, a judicialização decorrente da presença de povos indígenas e comunidades tradicionais em áreas objeto de concessão e a outorga de concessões que carecem de viabilidade econômica.[8] Entretanto, as conclusões deste estudo indicam que a fragilidade da governança pode ser um importante fator limitante.

Nesta publicação, pesquisadores do Climate Policy Initiative/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio) apresentam a evolução das concessões florestais na Amazônia para, em seguida, se aprofundarem nas concessões do Pará, estado pioneiro no setor. A análise detalhada dos procedimentos de concessão paraenses, complementada com a realização de entrevistas com agentes de mercado, permite identificar pontos de atenção em matéria de governança e tirar lições que podem extrapolar a esfera estadual e ajudar a avançar a agenda de concessões florestais na região amazônica.

A análise identificou no Pará situações de (i) anulação de concorrências – i.e., metade das concorrências realizadas no estado, (ii) não concessão de áreas e (iii) rescisão de contratos de concessão. Contabilizando as ocasiões repetidas, em que uma mesma área foi concedida, não foi concedida ou teve o respectivo contrato rescindido, obtém-se um total de dezessete tentativas de conceder uma área para concessões estaduais no Pará. Isso se traduz numa taxa de sucesso de 53%, no longo prazo, ao se tomar como parâmetro a quantidade de contratos vigentes, em oposição à quantidade de áreas vagas por não concessão ou por rescisão contratual.

A anulação de concorrências parece estar sendo causada por erros básicos na elaboração dos editais, sinalizando uma baixa capacidade dos órgãos responsáveis pela gestão das concessões. A não concessão de algumas áreas, por sua vez, pode estar sendo causada pela baixa qualificação de algumas candidatas a concessionárias, pelo prolongamento das concorrências e por restrições à quantidade de áreas e à área total que podem ser concedidas a uma única empresa. Por fim, a rescisão de contratos pode estar sendo causada pelo descumprimento das condições de qualificação e regularidade das empresas, dos termos das propostas e de normas de manejo florestal e trabalhistas.

Neste momento em que a LGFP foi reformada para incentivar a comercialização de créditos de carbono e para tornar possível a inclusão de novos tipos de serviços ambientais como objeto das concessões, esses pontos de atenção tornam-se ainda mais relevantes em função da crescente complexidade desse modelo de gestão de florestas públicas. Melhorias na governança devem ser implementadas para que as concessões se consolidem como modelos de negócios sustentáveis.

Recomendações

• Eliminar as restrições legais à quantidade de áreas e à área total que podem ser concedidas a uma única empresa para permitir que empresas mais qualificadas ganhem escala por meio da obtenção de mais concessões e da possibilidade de operar em áreas mais extensas, sem prejuízo da aplicação de normas concorrenciais gerais.

• Melhorar a capacitação dos servidores dos órgãos ou entidades responsáveis pela gestão de concessões florestais para incrementar a qualidade dos procedimentos de concorrência por meio de melhorias, por exemplo, na precisão dos estudos preliminares das concessões e nos modelos de editais e contratos.


Os autores gostariam de agradecer a João Pedro Arbache e a Gustavo Pinto pela elaboração das figuras que ilustram a seção sobre a evolução das concessões florestais na Amazônia. Os autores também gostariam de agradecer a Giovanna de Miranda, Camila Calado e Letícia Miranda pela revisão e edição do texto e Meyrele Nascimento e Nina Oswald Vieira pela elaboração das figuras e formatação do texto.


[1] Becker, Bertha K. “Revisão das políticas de ocupação da Amazônia: é possível identificar modelos para projetar cenários?” Parcerias Estratégicas, nº 12 (2001): 135-159. bit.ly/3FDv2bi.

[2] Pasquis, Richard et al. “‘Reforma Agrária’ na Amazônia: balanço e perspectivas”. Cadernos de Ciência e Tecnologia 22, nº 1 (2005): 83-96. bit.ly/40g2C0o.

[3] Valdiones, Ana Paula et al. A Evolução do setor madeireiro na Amazônia entre 1980 e 2020 e as oportunidades para o seu desenvolvimento inclusivo e sustentável na próxima década. Belém: Imazon, Imaflora, ICV e Idesam, 2022. bit.ly/3QBpp3s.

[4] Loureiro, Violeta R. e Jax N. A. Pinto. “A questão fundiária na Amazônia”. Estudos Avançados 19, nº 54 (2005): 77-98. bit.ly/3QkUp6y.

[5] Lei nº 11.284, de 2 de março de 2006 – Dispõe sobre a gestão de florestas públicas para a produção sustentável. bit.ly/3s9ocHt.

[6] Lopes, Cristina L. “A tutela jurídica das florestas brasileiras: da colônia à Lei de Gestão de Florestas Públicas”. Monografia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2006.

[7] Ribeiro, Aline. Os inquilinos da Amazônia. Época. 2011. Data de acesso: 25 de outubro de 2023. bit.ly/3QbEqrs.

[8] Instituto Escolhas. Destravando a agenda da Bioeconomia: soluções para impulsionar as concessões florestais no Brasil. São Paulo, 2020. bit.ly/3QCltj6.

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