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A Floresta Amazônica originalmente se estendia por quase 4 milhões de quilômetros quadrados no território brasileiro. Pouco menos de um quinto dessa área já teve sua vegetação nativa completamente destruída.[1] Esse é o chamado “desmatamento em corte raso”, caracterizado pela perda total da vegetação. O Brasil conhece bem esse desmatamento. Entende suas causas, compreende sua dinâmica, monitora minuciosamente seu avanço. Ainda restam desafios expressivos para zerar o desmatamento na Amazônia, mas os caminhos para alcançar esse objetivo são, em geral, conhecidos.

O desmatamento não é, contudo, a única ameaça à floresta. Os mais de 3 milhões de quilômetros quadrados de vegetação nativa que ainda não foram desmatados na Amazônia não estão intactos. Parte dessa vegetação está em processo de degradação florestal. De maneira simplificada, as florestas degradadas perderam parte da sua cobertura vegetal, mas não o suficiente para serem consideradas desmatadas. A menor densidade de vegetação em relação ao que seria natural para aquele ecossistema gradualmente mina a capacidade de essas florestas proverem serviços ecossistêmicos críticos, como conservar biodiversidade e absorver e estocar carbono.[2],[3]

É um equívoco considerar que, por ser uma perda parcial de vegetação, a degradação florestal gera danos inexpressivos. Sua contribuição para emissões de gases de efeito estufa ilustra a gravidade do problema. Estima-se que florestas degradadas responderam por quase 70% das emissões globais de carbono oriundas de florestas tropicais entre 2003 e 2014, enquanto os 30% restantes resultaram de desmatamento.[4]

Para agravar uma situação já crítica, as emissões provenientes da degradação florestal não são imediatas, como são aquelas provenientes do desmatamento. Por ser menos resiliente do que a floresta intacta, a floresta degradada fica mais vulnerável, mais sujeita a sofrer danos que agravam seu estado de degradação e, portanto, aumentam sua vulnerabilidade. Assim, a floresta degradada segue emitindo mais carbono do que absorve por muitos anos após o início do processo de degradação.[5]

Trata-se de um tema urgente para o Brasil. Em média, a degradação florestal na Amazônia Brasileira anualmente afeta uma área pelo menos tão extensa quanto — e frequentemente maior do que — o desmatamento.[6],[7],[8] Entre 2010 e 2019, estima-se que a degradação florestal representou três quartos da perda bruta de biomassa na região e o desmatamento apenas um quarto.[9]

A degradação florestal na Amazônia não é apenas o estágio inicial de um processo que culmina no desmatamento em corte raso, mas um fenômeno com dinâmica e determinantes próprios. Há três principais atividades que impulsionam a degradação na região: extração seletiva, fogo e o próprio desmatamento.

A extração seletiva interfere diretamente no ecossistema florestal ao remover uma espécie nativa. É comum haver a destruição de vegetação no entorno da espécie extraída devido tanto à abertura de estradas de acesso e pátios de estocagem quanto ao dano ocasionado pela queda das árvores sobre essa vegetação próxima. Atividades lícitas de extração madeireira devem seguir um plano de manejo para minimizar esse risco de degradação.

Como o fogo não é um elemento natural de florestas tropicais, sua ocorrência deve ser interpretada como um dano àquele ecossistema. No entanto, justamente por serem extremamente úmidas, essas florestas não queimam facilmente de uma só vez. Na Amazônia, o fogo tipicamente destrói primeiro as plantas mais frágeis, mas compromete também a resiliência daquelas que sobrevivem a ele. Áreas de floresta afetadas pelo fogo costumam seguir apresentando mortalidade elevada da vegetação por longos períodos.

Por fim, o desmatamento também influencia a degradação florestal. Quando uma área é desmatada, a vegetação que passa a constituir a nova fronteira da floresta fica sujeita a condições atípicas, como alterações de temperatura, luminosidade e vento. Isso interfere com o equilíbrio local daquele ecossistema e desencadeia um processo de degradação. O impacto do desmatamento sobre condições climáticas em escalas mais agregadas, como variações regionais nos regimes de chuva, também contribui para o avanço da degradação florestal.

É imperativo que o Brasil dedique esforços específicos para compreender e combater a degradação florestal na Amazônia. É sabidamente desafiador monitorar e mensurar um fenômeno tão diverso e complexo, mas o país já detém tecnologia e capacidade técnica suficientes para detectar e acompanhar a degradação florestal. O sistema oficial para monitoramento da perda florestal na Amazônia, por exemplo, já emite alertas em tempo quase-real para diferentes tipos de degradação. Há também dados oficiais sobre a ocorrência de focos de calor, um importante sinal para a ocorrência de fogo, em toda a extensão da Amazônia.

Apesar de ter acesso aos dados e de ser capaz de monitorar e medir — ainda que com alguma incerteza — a degradação florestal na Amazônia, o Brasil segue deixando-a em segundo plano. As métricas de desempenho ambiental do país essencialmente ignoram a floresta degradada, olhando apenas para o desmatamento. Isso vale inclusive para as emissões associadas à degradação, que não são computadas nos inventários brasileiros de emissões de gases de efeito estufa.

A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC) reconhece a importância do fenômeno para o esforço global de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas e apoia incentivos financeiros para a redução de emissões provenientes de desmatamento e degradação florestal em mecanismos de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+). No entanto, nenhum país amazônico reporta emissões oriundas da degradação florestal e, portanto, nenhum estabeleceu metas para redução dessas emissões. Acordos, compromissos e metas que desconsideram a degradação florestal serão insuficientes para mitigar o risco de cenários críticos de mudanças climáticas.

O Brasil deveria encarar isso como uma oportunidade para fortalecer seu compromisso com a causa climática e retomar seu protagonismo internacional. Dada sua experiência com políticas públicas para o combate ao desmatamento na Amazônia,[10] o país sabe que combinar o uso estratégico de tecnologia e inovações de política pública é uma forma efetiva de atuar sobre um fenômeno que é espacialmente disperso, heterogêneo e de difícil responsabilização. O Brasil pode usar essa experiência com o combate ao desmatamento para desenhar políticas públicas específicas para o combate à degradação florestal.

Um passo primordial nessa direção é a incorporação de medidas sobre degradação florestal, ainda que imperfeitas, às métricas de desempenho ambiental. Elas são, afinal, mecanismos de transparência fundamentais para acordos internacionais e ações de política pública.

No passado, o Brasil já ocupou posição de enorme prestígio internacional devido ao seu pioneirismo para não apenas mensurar e monitorar o desmatamento na Amazônia, mas também para combatê-lo. Agora, ele poderia novamente ocupar uma posição de liderança global ao compreender, reportar e enfrentar a degradação florestal.


A autora gostaria de agradecer João Mourão, Rafael Pucci e Juliano Assunção pelos comentários, Natalie Hoover El Rashidy e Giovanna de Miranda pela revisão de texto e Nina Oswald Vieira pelo trabalho de design gráfico.

Citação sugerida
Clarissa Gandour. Precisamos Falar Sobre Degradação Florestal na Amazônia: É Urgente que a Política Pública Entenda e Combata essa Ameaça. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2022.


[1] INPE. Monitoramento do Desmatamento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite (PRODES – Amazônia). 2022. Base de dados acessada em julho de 2022.

[2] Barlow, Jos et al. “Anthropogenic disturbance in tropical forests can double biodiversity loss from deforestation”. Nature 535 (2016): 144-147. bit.ly/3Bm71Ce.

[3] IPCC. Climate Change and Land: an IPCC special report on climate change, desertification, land degradation, sustainable land management, food security, and greenhouse gas fluxes in terrestrial ecosystems. 2019. bit.ly/2UZbTMP.

[4] Baccini, A. et al. “Tropical forests are a net carbon source based on aboveground measurements of gain and loss”. Science 358 (2017): 230-234. 10.1126/science.aam5962.

[5] Silva Junior, Celso H. L. et al. “Amazonian forest degradation must be incorporated into the COP26 agenda”. Nature Geoscience 14 (2021): 634-635. bit.ly/3d8ZFtY.

[6] Gandour, Clarissa et al. Degradação Florestal na Amazônia: Fenômeno Relacionado ao Desmatamento Precisa ser Alvo de Política Pública. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2021. bit.ly/3mqer1h.

[7] Pucci, Rafael et al. Sob a Lupa do DETER: A Relação entre Degradação e Desmatamento na Amazônia. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2021. bit.ly/SobaLupadoDETER.

[8] Menezes, Diego et al. A Relação entre Fogo Florestal e Desmatamento na Amazônia: Associação entre Fenômenos É Mais Forte em Assentamentos Rurais e Posses em Terras Públicas. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2021. bit.ly/FogoFlorestal.

[9] Qin, Yuanwei et al. “Carbon loss from forest degradation exceeds that from deforestation in the Brazilian Amazon”. Nature Climate Change 11 (2021): 442–448.

[10] Climate Policy Initiative. Proteção Florestal Baseada em Evidência. 2021. bit.ly/3DlKcPd.

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