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O Brasil é o maior exportador de carne bovina do mundo, responsável por quase um quinto do total das exportações globais desse produto. Com mais de 230 milhões de cabeças de gado, possui o segundo maior rebanho bovino do mundo e a criação é em grande parte feita no pasto. Os nove estados que formam a Amazônia brasileira possuem quase 40% do rebanho nacional de bovinos.[1]

Inúmeros estudos sobre a dinâmica do desmatamento documentam que grande parte das áreas de floresta desmatadas na Amazônia é transformada em pastagem.[2],[3] Estimativas mostram que cerca de 70% das terras desmatadas na Amazônia são destinadas à criação de gado. Assim, mudar a dinâmica da produção pecuária tornou-se prioridade nos esforços de combate ao desmatamento na Amazônia. Doadores já investiram milhões de dólares para promover a produção de carne livre de desmatamento e para tornar cadeia de produção mais transparente.[4]

Uma característica fundamental da Amazônia que pode influenciar a dinâmica da pecuária e do desmatamento é a distribuição dos direitos à terra na região. A região é muito particular quanto à distribuição dos direitos fundiários. Enquanto na Amazônia cerca de 60% de suas terras são classificadas como terras públicas, esse número cai para 12% no restante do país. Essas terras públicas têm sido alvo de intenso desmatamento e parte dessa área já foi ilegalmente registrada como “propriedade privada” no Cadastro Ambiental Rural (CAR), deixando claro que essas terras estão vulneráveis a grilagem e especulação imobiliária.[5],[6] Entender o papel dessa distribuição de direitos fundiários na dinâmica da pecuária na Amazônia é de suma importância para ajudar a desenhar políticas eficazes em desvincular a produção de carne e o desmatamento na região, um elemento chave para combater o desmatamento na Amazônia e promover o crescimento da economia rural da região.[7]

Neste estudo, pesquisadores do Climate Policy Initiative/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio) se aprofundam na ligação entre a pecuária e o desmatamento na Amazônia investigando a dinâmica econômica por trás disso. Dados relativamente inexplorados sobre os preços da terra foram utilizados para entender se a relação entre pecuária e desmatamento na Amazônia é proveniente de um aumento da demanda por alimentos ou por um aumento da oferta de terras através da grilagem. Por fim, este trabalho prepara o terreno para que formuladores de políticas analisem e entendam melhor se o conjunto atual de políticas em vigor aborda as causas básicas do desmatamento associado à pecuária.

DINÂMICA ENTRE DESMATAMENTO, PECUÁRIA E MERCADO DE TERRAS

Entender o processo econômico por trás da relação entre a pecuária e o desmatamento é fundamental para entender a economia da pecuária e desenhar políticas públicas eficazes para desassociar esses processos na Amazônia. Por exemplo, se essa relação é impulsionada majoritariamente pela expansão da demanda por alimentos, políticas públicas voltadas para o aumento da produtividade da pecuária podem ser suficientes para reduzir a pressão que ela exerce sobre o desmatamento. No entanto, se essa relação deriva predominantemente da grilagem de terras, essas políticas por si só seriam insuficientes e as políticas para melhorar a segurança da terra são essenciais para quebrar o elo entre a pecuária e o desmatamento.

Por um lado, o aumento da demanda por carne e leite estimula a expansão da criação de gado, o que culmina em um aumento da demanda por terra para essas atividades, estimulando o desmatamento (Figura 1a):


Por outro lado, em um contexto de direitos de propriedade frágeis, florestas são desmatadas para serem griladas em um processo que aumenta a oferta de áreas de pastagens e estimula a criação extensiva de gado (Figura 1b):


Desemaranhar a relação entre a pecuária e a dinâmica dos preços da terra permite identificar o processo econômico predominante por trás da associação entre a pecuária e o desmatamento. Este trabalho busca identificar as diferentes ligações causais entre o desmatamento e a pecuária e como essas ligações implicam em diferentes dinâmicas para o mercado de terras.

Se o preço da terra aumenta junto com o crescimento do gado, então o desmatamento é impulsionado por uma maior demanda por gado (Figura 2a):


Se o preço da terra cai à medida que a criação de gados aumenta, então o desmatamento é resultado da grilagem de terras (Figura 2b):


Usando dados sobre preços de terras, os pesquisadores examinam as interações dentro e fora da Amazônia.[8] Na Amazônia, um aumento da pecuária está associado a uma redução do preço da terra. Fora da Amazônia, a relação é oposta – regiões onde os preços da terra aumentaram também aumentaram a produção de gado. Um aumento de 10% no rebanho bovino está associado a uma redução em torno dos mesmos 10% no preço da terra na Amazônia; fora da Amazônia, um aumento de 10% no rebanho bovino está associado a um aumento de 5% no preço da terra.

Estudos anteriores do CPI/PUC-Rio estimaram um baixo potencial de ganhos de produtividade para pecuaristas na Amazônia, refletindo a predominância de um modelo de pecuária extensiva caracterizado pela criação de animais em grandes áreas de pastagem, com baixo uso de insumos e baixa produtividade em toda a região.[9] Este resultado é reforçado pela estimativa da relação entre o gado e o nível de degradação das pastagens. Na Amazônia, a expansão da pecuária está associada à expansão do nível de degradação das pastagens, refletindo um modelo com baixos níveis de investimento estimulado pela grilagem. Enquanto isso, fora da Amazônia, a expansão da pecuária não tem associação com a expansão do nível de degradação das pastagens.

Esses resultados sugerem que as causas do desmatamento na Amazônia parecem ser diferentes do restante do Brasil. A relação entre a produção de gado e os preços da terra sugere que, fora da Amazônia, o crescimento da pecuária reflete principalmente um aumento na demanda por carne e leite, o que aumenta a demanda por terra e aumenta o preço desse bem. Na Amazônia, porém, a expansão da pecuária parece estar fortemente relacionada à grilagem. Esse processo de grilagem aumenta a oferta de terras, o que reduz seu preço, além de estimular seu uso para a pecuária extensiva.

CONCLUSÃO

Este estudo fornece evidências de que a grilagem de terras explica parte substancial da relação entre a pecuária e o desmatamento na Amazônia. Nesse sentido, a formulação de políticas públicas que contemplem a grilagem é parte importante para conter o desmatamento e fomentar um modelo de negócio mais sustentável para a pecuária na região. Reduzir a probabilidade de grileiros obterem direitos fundiários sobre as terras invadidas é fundamental para garantir uma maior eficácia das políticas de combate ao desmatamento na Amazônia.

NOTAS

Este estudo estimou as correlações entre a evolução dos preços de terras, do desmatamento e da pecuária, comparando dentro e fora do bioma Amazônia. Para tal, foram utilizadas informações de uso da terra (MapBiomas), produção pecuária (Pesquisa da Pecuária Municipal/IBGE), dados de qualidade de pastagens (Lapig) com informações de preços de compra e venda de terras obtidos com a IHS Markit. O desmatamento foi medido como percentual da região desmatada. A evolução do rebanho foi calculada como a evolução do número de cabeças de gado por área da região. A evolução da pastagem degradada foi calculada como a evolução do percentual de pastagem que apresentou algum nível de degradação. E, os preços de terra foram calculados em log.

As regressões também contaram com alguns controles adicionais, visando eliminar possíveis vieses, entre eles: proporção da população rural em cada região, do Censo Populacional de 2000; produtividade do solo para culturas alternativas (soja e milho), dados da FAO/GAEZ; e, índice de desenvolvimento humano, dados do IPEA data.


Os autores gostariam de agradecer Cristina Leme Lopes e Joana Chiavari pela assistência e expertise jurídica à narrativa e Patrick Aleixo pelo trabalho de limpeza e pré-processamento dos dados. Também gostaríamos de agradecer Jennifer Roche pelo trabalho de edição do texto original em inglês, Natalie Hoover El Rashidy e Giovanna de Miranda pelo trabalho de revisão e edição dos textos e Nina Oswald Vieira pelo trabalho de design gráfico.


[1] Eisenhammer, Stephen. One Brazilian farmer tried – and failed – to ranch more responsibly in the Amazon. Reuters, 2020. reut.rs/3zIBWqa

[2] Barona, Elizabeth, Navin Ramankutty, Glenn Hyman e Oliver Coomes. “The role of pasture and soybean in deforestation of the Brazilian Amazon”. Environmental Research Letters 5, nº 2 (2010). bit.ly/3kEbcmv

[3] Tyukavina, Alexandra, et al. “Types and rates of forest disturbance in Brazilian Legal Amazon”. Science advances 3, nº 4 (2017): 2000-2013. bit.ly/2XHFGuS

[4] Os doadores investiram mais de US$ 163 milhões no Brasil em estratégias direcionadas a Cadeias de Suprimentos, Novos Mecanismos de Financiamento e Agricultura Comercial (ver bit.ly/3lZqmSG)

[5] Alencar, Ane, Paulo Moutinho, Vera Arruda e Divino Silvério. Amazônia em chamas: o fogo e o desmatamento em 2019 e o que vem em 2020. IPAM, 2020. bit.ly/3mdQn11

[6] Azevedo-Ramos, Claudia, et. al. “Lawless land in no man’s land: The undesignated public forests in the Brazilian Amazon. Land Use Policy 99 (2020). bit.ly/3zAeoDP

[7] Barreto, Paulo e Daniel Silva da Silva. Como desenvolver a economia rural sem desmatar a Amazônia? Imazon, 2013. bit.ly/3okbIIP

[8] Os pesquisadores usaram dados de uso da terra de MapBiomas, dados de qualidade de pastagem de Lapig/MapBiomas, rebanho bovino de PPM/IBGE e dados de preços de terras de IHS Markit.

[9] Lima Filho, Francisco, Arthur Bragança e Juliano Assunção. Um Novo Modelo de Negócios É Necessário para Aumentar a Produtividade da Pecuária na Amazônia. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2021. bit.ly/2XUTUJa

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