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A atividade pecuária está associada ao desmatamento na região amazônica – grande parte das áreas desmatadas foram convertidas em pastagens. O crescimento extensivo da pecuária na região amazônica se distingue do observado no resto do Brasil. Nos últimos trinta anos, enquanto no resto do Brasil a pecuária reduziu sua área, na Amazônia Legal ocorreu uma expansão consistente da área de pastagem (Figura 1). No entanto, o papel da pecuária como causa do desmatamento é menos evidente. De um lado, a expansão da atividade na região pode gerar desmatamento. Por outro lado, no entanto, a grilagem de terras tem utilizado a pecuária como parte do processo de ocupação do território.[1],[2] Nesse caso, a pecuária seria mais uma consequência do processo de grilagem e desmatamento do que uma causa.

Nesse contexto, conter a expansão de pastagem, mantendo ou mesmo aumentando o nível de renda dos pecuaristas, é um dos principais desafios para desenvolver de forma sustentável a Amazônia Legal.[3] O elemento chave para atingir esse objetivo é o aumento da produtividade das pastagens.

Neste estudo, pesquisadores do Climate Policy Initiative/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio) calculam qual o potencial de aumento da produtividade das pastagens na Amazônia Legal através da disseminação das melhores práticas utilizadas em escala na região.

Figura 1. Evolução da Área de Pastagem, 1985-2017

Figura-1-Evolucao-da-produtividade-ao-longo-dos-anos

Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do Censo Agrícola de 1985, 1996, 2006 e 2017, 2021

De acordo com modelos agronômicos, seria possível aumentar a produtividade das pastagens no Brasil em até três vezes por meio de uma combinação entre um melhor manejo de rebanho e intensificação.[4],[5] Do ponto de vista de políticas públicas, é importante entender a origem dos ganhos de produtividade identificados nos modelos agronômicos. Esses ganhos se encontram majoritariamente na disseminação de práticas utilizadas em escala em alguns municípios de alta produtividade? Ou eles requerem a introdução de modelos de produção que utilizam práticas não amplamente utilizadas na Amazônia Legal? Esta distinção possui implicações importantes tanto para o desenho de políticas agrícolas como, por exemplo, políticas de treinamento e disseminação de novas tecnologias.

Pesquisadores do CPI/PUC-Rio mostram que a produtividade na pecuária é bastante homogênea na região, com predomínio de um modelo de negócios de produção extensiva, pouco uso de insumos (com base nos dados do Censo Agrícola de 2017, apenas 12% das propriedades usaram máquinas e apenas 3% usaram calagem para correção de solo para pastos) e baixos níveis de produtividade. Essa uniformidade se traduz em benefícios pequenos ao se disseminar as práticas já utilizadas nos municípios mais produtivos da Amazônia Legal para os demais municípios da região. Os pesquisadores calculam que a Amazônia Legal poderia aumentar o valor da sua produção pecuária sem ampliar o desmatamento em 17,6-29,4%.

Embora o ganho de produtividade estimado seja relevante, ele é substancialmente menor que o potencial identificado na literatura agronômica. Ele também é consideravelmente menor que o potencial de ganhos de produtividade da agricultura brasileira, como calculado em trabalhos anteriores do CPI/PUC-Rio.[6] Isso indica que a obtenção de grandes ganhos de produtividade para a pecuária na Amazônia Legal exigirá a introdução de um novo modelo de negócios com disseminação de técnicas e tecnologias ainda não utilizadas em escala na região e também o combate às atividades como grilagem que tem utilizado a pecuária extensiva e pouco produtiva como parte de seus processos.

Estimando Ganhos de Produtividade

Os dados do Censo Agrícola de 2017 indicam que a produtividade da pecuária é muito mais parecida entre municípios que a produtividade de grãos como um todo (Figura 2). Uma explicação possível para esse resultado é que o modelo predominante de produção pecuária é mais homogêneo na região do que o modelo predominante de produção de grãos. Entretanto, outra explicação possível para esse resultado é que diferenças de condições de clima, solo e custos de transporte sejam mais importantes para a produção de grãos do que para a produção de carne e leite.

Figura 2. Produtividade da Criação de Gado e das Lavouras

Figura-2-Produtividade-da-Criacao-de-Gado-e-das-Lavouras

Nota: Produtividade medida com valor da produção por hectare e normalizada entre 0 e 1.
Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do Censo Agrícola de 2017, 2021

Para diferenciar entre essas explicações, os pesquisadores do CPI/PUC-Rio decompuseram a produtividade dos municípios na pecuária e nas lavouras entre fatores geográficos e eficiência. [7] A análise do termo de eficiência confirma a conjectura que a produtividade na pecuária é muito mais homogênea na região que a produtividade na lavoura (Figura 3). Isso sugere que há predomínio de um modelo de pecuária extensiva, com baixo uso de insumos e baixíssima produtividade em praticamente toda a região amazônica. Isso contrasta com o que ocorre na produção de grãos, onde existem mais diferenças em termos de pacotes tecnológicos, uso de insumos e produtividade.

Figura 3. Eficiência Técnica da Produção de Gado e das Lavouras

Figura-3-Termo-de-Evolucao-Tecnica

Nota: Termo de eficiência técnica é resultado da SFA e foi normalizado entre 0 e 1.
Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do Censo Agrícola de 2017, 2021

Uma consequência direta da produtividade relativamente homogênea na produção de carne e leite na Amazônia Legal é que o potencial de aumentar a produção na região, disseminando as técnicas e tecnologias utilizadas nos municípios mais produtivos, será pequeno. Os resultados indicam que tornar todos os municípios tão produtivos quanto os melhores municípios da região aumentaria o valor da produção da pecuária nos municípios da Amazônia Legal em cerca de 29% (Figura 4). Já tornar todos os municípios tão produtivos quanto os melhores municípios do estado aumentaria a produção em torno de 17% (Figura 4).

Figura 4. Potencial para Aumentar a Produção de Gado

Figura-4-Potencial-para-Aumentar-a-Producao-de-Gado-2017-1

Nota: Fontes secundárias incluem as bases de dado de FAO, MapBiomas, Matsuura e Wilmott.
Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do Censo Agrícola de 2017, 2021

O Pará é o estado que apresenta maior potencial para aumentar a produção de gado caso consiga tornar todos seus municípios tão produtivos quanto o seu município mais produtivo a produção aumentaria 27% (Tabela 1). Esses potenciais ganhos variam de estado para estado, caem para cerca de 17% nos estados do Mato Grosso e Maranhão e para menos de 10% em estados como Rondônia e Acre.

Tabela 1. Potencial para Aumentar a Produção de Gado por Estado

VALOR DO REBANHO
Nível Amazônia Legal29,43%
Pará27,32%
Tocantins18,62%
Mato Grosso17,79%
Roraima17,67%
Nível Estadual17,64%
Maranhão17,35%
Amapá15,44%
Amazonas11,91%
Rondônia8,40%
Acre7,08%

Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do Censo Agrícola, 2021

Interessantemente, permitir que o desmatamento ocorra nas estimações não influencia significativamente os resultados (Figura 5 mostra apenas ganhos marginais com relação a Figura 4). Isso destaca o potencial limitado para aumentar a produção por meio da disseminação de tecnologias e práticas atuais, mesmo quando o desmatamento é possível.

Figura 5. Potencial para Aumentar a Produção de Gado – Permitindo Desmatamento

Figura-5-Potencial-para-Aumentar-a-Producao-Permitindo-Desmatamento-1

Nota: Fontes secundárias incluem as bases de dado de FAO, MapBiomas, Matsuura e Wilmott.
Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do Censo Agrícola de 2017, 2021

Potenciais Abordagens para Aumentar a Produtividade

Estudos anteriores do CPI/PUC-Rio estimaram um potencial enorme de aumentar a produção de grãos no Brasil sem causar desmatamento.[8] Os pesquisadores descobriram que, em 2006, o Brasil poderia aumentar a produção agrícola em 79,0-104,5% sem aumentar o desmatamento. A replicação de tais números para a Amazônia Legal, em 2017, gera ganhos potenciais de 49,6%. Comparado com as estimativas apresentadas nesse estudo, o potencial de aumento da produção pecuária na região da Amazônia Legal variou entre 17,6-29,4%, sem aumentar o desmatamento.

A diferença gritante entre o potencial de aumentar a produção agrícola em comparação com a produção de gado reflete a predominância de um modelo de negócios de pecuária extensiva com baixo uso de insumos e produtividade em toda a região amazônica. Esse modelo de negócios contrasta com o que ocorre na produção de grãos, onde em algumas regiões predominam produtores comerciais altamente especializados e utilizando insumos modernos intensamente, enquanto em outras regiões, predominam produtores familiares operando com tecnologias tradicionais. Isso implica que, enquanto na produção de grãos há um espaço enorme para ganhos de produtividade por meio da disseminação de tecnologias usadas nas regiões mais produtivas, esses ganhos são muito mais limitados na pecuária.

É importante ressaltar que esses resultados não significam que não existam pecuaristas utilizando pacotes tecnológicos modernos e extremamente produtivos na Amazônia Legal e sim que o modelo predominante em toda a região é de pouco uso de tecnologia e baixa produtividade. Isso indica que o crescimento da produtividade na pecuária na região amazônica requer soluções que mudem os incentivos para usar tecnologia a aumentar a produtividade na região como um todo e não somente estimulem a expansão do modelo utilizado em alguns municípios mais produtivos para os demais municípios.

Existem dois caminhos promissores para levar a aumentos de produtividade. Um primeiro caminho é dar escala para iniciativas de disseminação de novas técnicas pouco utilizadas na região. Um exemplo a ser seguido é o projeto Pecuária Verde, desenvolvido em seis fazendas de Paragominas (PA) em 2011.[9] Dentre as iniciativas desse projeto está o desenvolvimento da pecuária intensiva, que aumenta o lucro porque reduz fortemente os custos de produção por arroba produzida com os ganhos de produtividade. Um segundo exemplo é a Pecuária Sustentável da Amazônia (PECSA), uma empresa que investe para atingir a sustentabilidade de fazendas na região. Essa empresa arrenda fazendas com pastos degradados e investe na reforma dessas pastagens e na implantação de um modelo de produção sustentável. Um terceiro exemplo é o sistema de integração lavoura-pecuária em uma única fazenda (ILP).[10] Estudos mostram que o ILP é uma vantagem econômica e ambiental em comparação com as práticas de manejo extensivo de gado existentes e outras alternativas de intensificação de pastagem. Políticas públicas e parceiras com frigoríficos para melhorar a oferta de informação sobre práticas modernas e que respeitam o meio ambiente podem ser fundamentais para permitir que essas iniciativas ganhem escala e efetivamente mudem a realidade da atividade pecuária na Amazônia Legal.

Um segundo caminho de impulsionar os ganhos de produtividade é combater a grilagem e o desmatamento ilegal. Estímulos para uso de boas tecnologias dificilmente prosperarão em modificar a realidade da pecuária na Amazônia Legal enquanto persistir o nível de insegurança jurídica que caracteriza a atividade agropecuária na região. De fato, a insegurança de direitos de propriedade cria um contexto que estimula a prática de pecuária extensiva de baixíssima produtividade em florestas recentemente convertidas, cujo retorno não está atrelado à atividade produtiva em si e sim a especulação. Nesse sentido, a implementação de um conjunto robusto de políticas voltadas para o controle do desmatamento, destinação das terras públicas existentes e de implementação do código florestal devem, ao reduzir os incentivos para grilagem e desmatamento ilegal e trazer segurança jurídica para os produtores, incentivar a intensificação da pecuária e promover ganhos de produtividade na pecuária.


[1] Stabile, M.C. et al. “Solving Brazil’s land use puzzle: Increasing production and slowing Amazon deforestation”. Land Use Policy 91 (2020). bit.ly/2PWVTsE.

[2] Azevedo-Ramos, C. et al. “Lawless land in no man’s land: The undesignated public forests in the Brazilian Amazon”. Land Use Policy 99 (2020). bit.ly/3b6kMto.

[3] Bragança, Arthur e Juliano Assunção. Assessing the Capital Costs of Maximizing Sustainable Agricultural Production in Brazil. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2018. bit.ly/3eAm1D9; Assunção, Juliano e Arthur Bragança. Pecuária Mais Produtiva para o Brasil: Redução das Áreas de Pastagens Pode Mostrar um Caminho. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2019. bit.ly/3uI03Uu.

[4] Modelos agronômicos referem-se a modelos que simulam o potencial de produção usando dados detalhados sobre as condições agroclimáticas e um determinado conjunto de suposições sobre práticas, insumos, sementes, etc.

[5] Strassburg, Bernardo B. N. et al. “When enough should be enough: Improving the use of current agricultural lands could meet production demands and spare natural habitats in Brazil”. Global Environmental Change 28, (2014): 84-97. bit.ly/3cYacpG.

[6] Bragança, Arthur e Juliano Assunção. Assessing the Capital Costs of Maximizing Sustainable Agricultural Production in Brazil. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2018. bit.ly/3eAm1D9.

[7] Os pesquisadores usaram o método de Análise de Fronteira Estocástica (SFA) para realizar essa decomposição. Todos os exercícios consideram que a área existente para a atividade é fixa.

[8] Bragança, Arthur e Juliano Assunção. Assessing the Capital Costs of Maximizing Sustainable Agricultural Production in Brazil. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2018. bit.ly/3eAm1D9.

[9] Silva, Daniel S. e Paulo Barreto. O aumento da produtividade e lucratividade da pecuária bovina na Amazônia: o caso do Projeto Pecuária Verde em Paragominas. Belém: Imazon, 2014. bit.ly/327vAm9.

[10] Garrett, R. et al. “Challenges and opportunities for the adoption of integrated farming systems: lessons from Brazil and beyond” In Embrapa Agrossilvipastoril-Artigo em anais de congresso (ALICE). International Symposium on Agricultural Technology Adoption 1, 2019, Campo Grande, MS. Studies, methods and experiences: abstracts. Campo Grande, MS: Embrapa Gado de Corte, 2020. bit.ly/3d0p5HX.

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