Os capítulos anteriores ressaltaram tanto a magnitude da agenda florestal quanto a diversidade dos desafios enfrentados pelos países com florestas tropicais. Além de armazenar grandes quantidades de carbono, as florestas tropicais apresentam um potencial excepcional para o sequestro de CO2 em larga escala por meio da restauração florestal. Embora existam políticas eficazes de conservação e restauração — que já produziram resultados positivos em diversos contextos —, sua implementação continua desigual e vulnerável a mudanças políticas. Nesse contexto, estabelecer uma arquitetura financeira sólida e de longo prazo é essencial para sustentar a ambição climática e incentivar os governos a gerenciar as florestas de forma eficaz.
No início dos anos 2000, a inclusão das florestas no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Kyoto — o primeiro mecanismo multilateral de precificação de carbono — representou uma tentativa de reconhecer que as capturas de carbono provenientes do plantio de novas florestas podiam gerar créditos de carbono. No entanto, os projetos de proteção florestal foram excluídos dessa estrutura.
Em seus poucos anos de existência, o MDL conseguiu estabelecer um mercado internacionalmente reconhecido de compensação de carbono para atividades de reflorestamento e restauração, baseado na criação de ferramentas metodológicas para comprovar a adicionalidade dos projetos, em formas de contabilidade aprovadas internacionalmente para lidar com o risco de não permanência e em estruturas institucionais lideradas pela ONU.
No entanto, essa estrutura impôs ao MDL uma complexidade regulatória que limitou o número de projetos florestais. Entre as barreiras que levaram à subutilização do mecanismo, estavam os altos custos de transação e de financiamento, além da natureza temporária dos créditos de carbono oriundos de atividades florestais, o que impediu a fungibilidade dos créditos florestais no mercado de carbono. Isso culminou em restrições do lado da demanda, incluindo a exclusão dos créditos florestais dos maiores mercados compradores.
Atualmente, o JREDD+ é a principal estrutura internacionalmente reconhecida para conter o desmatamento, tendo um histórico de acordos multilaterais. Mais recentemente, o TFFF foi proposto na COP28 para recompensar a manutenção das florestas em pé. Embora ainda esteja em discussão, o TFFF está ganhando força em fóruns internacionais. Juntamente com outras iniciativas, esses mecanismos abordam o desmatamento e a proteção florestal, mas não priorizam a restauração florestal, que continua sendo uma lacuna crítica.
Além disso, na COP28, o primeiro Balanço Global (Global Stocktake – GST) reafirmou que as florestas são indispensáveis para cumprir as metas de temperatura do Acordo de Paris. Os governos reconheceram a urgência de conservar, proteger e restaurar florestas e ecossistemas para deter e reverter o desmatamento até 2030. O artigo 33 estabelece a decisão das partes de enfatizar “a importância de conservar, proteger e restaurar a natureza e os ecossistemas para alcançar a meta de temperatura do Acordo de Paris, incluindo por meio de esforços redobrados para deter e reverter o desmatamento e a degradação florestal até 2030”[1] (UNFCCC 2024, traduzido pelos autores). A decisão também enfatizou a prioridade em fornecer maior apoio financeiro, técnico e de capacitação, bem como destacou os benefícios não relacionados ao carbono das florestas, incluindo a conservação da biodiversidade, a resiliência dos ecossistemas e as salvaguardas sociais.
Nesse contexto, o CPI/PUC-Rio propõe o Mecanismo de Reversão do Desmatamento (RDM), baseado na estrutura desenvolvida por Assunção, Hansen, Munson e Scheinkman (2025). O RDM visa compensar os países pelos resultados líquidos de captura de carbono — o carbono capturado por meio da restauração florestal subtraindo as emissões do desmatamento e da degradação — em nível jurisdicional.
O RDM visa suprir a lacuna financeira da restauração e complementar o JREDD+, o TFFF e outros mecanismos correlatos com intuito de formar uma estratégia flexível e escalável que possa ser adaptada a diversas circunstâncias nacionais. Este capítulo descreve seu conceito básico, requisitos de implementação e potencial para transformar florestas tropicais em ativos climáticos de alto impacto.
O Mecanismo
O RDM é um sistema de pagamento baseado em resultados, desenvolvido para ampliar a restauração florestal por meio de acordos jurisdicionais. Seu objetivo é criar incentivos baseados em resultados para que países com florestas tropicais restaurem ecossistemas e reduzam as emissões decorrentes do desmatamento e da degradação florestal.
Em sua essência, o mecanismo é estruturado como um acordo bilateral entre um comprador, normalmente um governo, instituição multilateral ou entidade privada, e uma jurisdição, como um governo nacional ou subnacional, responsável pela gestão florestal. O principal objetivo é gerar créditos de captura de carbono por meio da restauração florestal, com créditos calculados anualmente em base líquida. Essa métrica líquida leva em consideração a quantidade de CO2 sequestrada por meio da restauração, subtraindo as emissões resultantes do desmatamento, da degradação florestal e das atividades agropecuárias dentro da jurisdição.
O mecanismo envolve um acordo de compra: o comprador se compromete a pagar um preço por cada tonelada verificada de CO2 líquido capturado na jurisdição. Os créditos verificados acionam desembolsos que são direcionados para um fundo jurisdicional dedicado. Esse fundo pode ser usado para atividades que reforçam as metas climáticas e ecológicas do mecanismo, especificamente relacionadas à prevenção do desmatamento e da degradação florestal e ampliação dos esforços de restauração florestal, particularmente através de estratégias de regeneração natural e de uso sustentável da terra.
Ao alinhar incentivos financeiros com resultados climáticos mensuráveis em nível jurisdicional, esse mecanismo oferece um modelo escalável e transparente para integrar a restauração florestal à arquitetura financeira climática global, complementando mecanismos como o JREDD+ e o TFFF e preenchendo a lacuna existente para florestas tropicais (Figura 10).
Figura 10. Comparação do Financiamento Florestal: JREDD+, TFFF e RDM
Fonte: CPI/PUC-Rio, 2025
Simulando o Impacto do RDM para a Amazônia Brasileira
A Amazônia brasileira oferece um exemplo poderoso de como o RDM poderia trazer benefícios climáticos e econômicos. Em estudo recente, Assunção, Hansen, Munson e Scheinkman (2025) analisaram os impactos da implementação do RDM na região. A análise dos autores utiliza dados espaciais detalhados sobre o potencial de sequestro de carbono e as receitas agropecuárias em mais de 1.000 locais, com foco especial na pecuária — o uso da terra mais predominante em áreas desmatadas. A Amazônia apresenta altos níveis de heterogeneidade: alguns locais têm alto potencial de captura de carbono e baixa produtividade agropecuária, enquanto outros apresentam o padrão oposto (Figura 11). Essa variação é fundamental para entender onde e como a restauração florestal pode ser mais eficaz.
Figura 11. Parâmetros de Sequestro de Carbono e Heterogeneidade da Produtividade Agropecuária para a Amazônia Brasileira
Fonte: CPI/PUC-Rio baseado em dados de Assunção et al. (2025), 2025
A análise contém duas características principais:
- Dinâmica detalhada do carbono: o estudo modela como o carbono é emitido quando as florestas são desmatadas e como ele é sequestrado ao longo do tempo por meio da regeneração natural, uma vez que a pecuária seja removida da região. O sequestro de carbono é antecipado: mais de 60% do potencial total é capturado nos primeiros 30 anos, embora a floresta continue a sequestrar CO2 por até um século. Esse prazo está alinhado com a urgência da agenda climática global.
- Robustez diante de profundas incertezas: o modelo incorpora não apenas as flutuações de preço nos mercados de pecuária, mas também a ambiguidade em torno de parâmetros-chave, como taxas de absorção de carbono e produtividade agropecuária. Essa abordagem garante que as conclusões não sejam excessivamente sensíveis a qualquer suposição isolada.
Os resultados são impressionantes. A um preço modesto de venda do carbono, o RDM poderia reverter a trajetória de carbono da Amazônia. Em vez de emitir aproximadamente 16 GtCO2 ao longo de 30 anos, a região poderia capturar até 18 GtCO2 por meio da regeneração natural em larga escala. A comercialização de créditos de carbono a US$ 50 por tonelada de CO2, valor muito inferior à taxa atual de mercado, renderia cerca de US$ 30 bilhões anualmente, tornando a restauração o uso mais lucrativo da terra para vastas áreas atualmente dedicadas à pecuária de baixa produtividade.
Esses resultados destacam a natureza bidirecional do nexo floresta-clima: a Amazônia pode contribuir significativamente para as metas climáticas globais, enquanto o financiamento climático pode gerar oportunidades econômicas transformadoras em uma região que continua enfrentando desafios de desenvolvimento. Além disso, os resultados ilustram a magnitude do desafio que está por vir, uma vez que a concretização desse potencial depende dos países de alta renda impulsionarem a demanda por captura de carbono, mesmo enfrentando custos de mitigação consideravelmente mais elevados.
Simulação do Potencial do RDM
Para avaliar o potencial do RDM em proporcionar restauração florestal e sequestro de carbono em larga escala, os pesquisadores do CPI/PUC-Rio simularam um cenário em que mais de 180 milhões de hectares de terras tropicais desmatadas entre 2001 e 2023 foram colocados em restauração. Em seguida, calcularam o valor presente (VP) dos fluxos de renda futuros sob o RDM, usando estimativas em cada país do potencial de captura de carbono, assumindo a não ocorrência de desmatamento adicional. Dois cenários de preço de carbono foram considerados: US$ 25 e US$ 50 por tonelada de CO2.
A métrica do VP permite a comparação direta com os preços locais das terras. Por exemplo, a Figura 12 mostra que, a um preço de carbono de US$ 25, aproximadamente 120 milhões de hectares gerariam receitas superiores a US$ 5.000 por hectare, tornando o RDM financeiramente viável em locais com preços de terra relativamente baixos. A US$ 50 por tonelada, a área total para a qual o RDM geraria mais de US$ 5.000 por hectare em receitas se expande para mais de 170 milhões de hectares. Isso ilustra o potencial do financiamento de carbono para impulsionar a restauração em larga escala, especialmente nos locais onde os custos de oportunidade são baixos.
Figura 12. Simulação dos Impactos Potenciais do RDM na Restauração Florestal e no Potencial de Captura de Carbono
12a. Valor Presente do RDM a US$ 25/tCO2
12b. Valor Presente do RDM a US$ 50/tCO2
Fonte: CPI/PUC-Rio com dados de Hansen et al. (2013), CHIRPS (2023) e TerraClimate (2020), 2025
Para avaliar o momento e a relevância climática dessas capturas de carbono, a Figura 13 apresenta a projeção de sequestro anual de carbono por país, assumindo que a restauração total comece em 2031, conforme sugerido pelo Balanço Global da COP28. O modelo pressupõe que todos os países comecem a restauração imediatamente e em ritmo acelerado. As remoções diminuem com o tempo à medida que o crescimento da floresta e, portanto, a absorção de carbono diminui com a maturação do ecossistema.
A Figura 13 demonstra que, nos primeiros cinco anos (2031-2035), as florestas restauradas poderiam remover cerca de 2 GtCO2 por ano. A US$ 50 por tonelada, isso representa aproximadamente US$ 100 bilhões em receitas anuais, ressaltando tanto a importância climática quanto o potencial financeiro da restauração em larga escala.
Figura 13. Simulação do Potencial Anual de Captura de Carbono do RDM
Gráfico interativo
Nota: Os países com maior potencial de captura de carbono são apresentados individualmente. Os demais foram agregados como “Demais países com florestas tropicais”.
Fonte: CPI/PUC-Rio com dados de Hansen et al. (2013) – v1.11, 2023, CHIRPS (2023) e TerraClimate (2020), 2025
Dado o contexto diversificado dos países com florestas tropicais, é importante avaliar o potencial de captura de carbono entre os países. As florestas tropicais diferem significativamente em densidade de biomassa e capacidade de armazenamento de carbono, o que afeta diretamente a produtividade dos esforços de restauração sob o RDM. Alguns países são capazes de sequestrar substancialmente mais carbono por hectare, tornando a restauração mais atraente do ponto de vista econômico.
A Figura 14 apresenta o VP por hectare para os países com maior produtividade de captura de carbono em dois cenários de preço do carbono (US$ 25 e US$ 50 por tonelada de CO2). Essas estimativas de VP por hectare oferecem uma referência útil quando comparadas aos preços locais das terras, ajudando a avaliar a viabilidade financeira e a atratividade da implementação do RDM em cada contexto nacional. Conforme indicado na classificação inicial dos países no capítulo dois, o RDM teria um impacto particularmente significativo para o Brasil, a Indonésia e a República Democrática do Congo.
Figura 14. Os 20 Países com o Maior Valor Presente do RDM por Hectare
Gráfico interativo
Fonte: CPI/PUC-Rio com dados de Hansen et al. (2013), CHIRPS (2023) e TerraClimate (2020), 2025
Requisitos de Implementação
A implementação bem-sucedida de mecanismos jurisdicionais de restauração florestal requer atenção cuidadosa ao desenho e aos princípios operacionais que garantam a integridade ambiental, a escalabilidade e o impacto de longo prazo. Esta seção descreve os elementos essenciais para alcançar impacto, juntamente com possíveis caminhos de implementação.
Abordagem Jurisdicional
A implementação da restauração florestal em nível jurisdicional, em vez de projetos isolados, oferece vantagens ecológicas e operacionais. Áreas maiores e contíguas reduzem a exposição a incêndios e aumentam a retenção de carbono a longo prazo. Elas também ajudam a evitar vazamentos de emissões em terras vizinhas, o que é um desafio comum em intervenções de menor escala.
As ameaças à integridade florestal estão frequentemente associadas a efeitos de borda. A fragmentação florestal aumenta a probabilidade de incêndios e outros processos de degradação. No entanto, áreas florestais maiores e contíguas contribuem para a integridade do ecossistema e a retenção de carbono a longo prazo.
Do ponto de vista da fiscalização, a implementação jurisdicional permite economias de escala substanciais. A experiência do Brasil com o sistema de monitoramento por satélite, o Deter, ilustra esse ponto: ao permitir ações de fiscalização rápidas, o Deter ajudou a evitar mais de 10 GtCO2 de emissões a um custo inferior a US$ 1 por tonelada (Assunção, Gandour e Rocha 2023). Esses resultados destacam o potencial das abordagens jurisdicionais para produzir resultados climáticos de alto impacto e custo-benefício.
Contabilidade de Carbono
Um sistema de contabilidade de carbono robusto e amplamente aceito é essencial para garantir a credibilidade e a eficácia do RDM. Esse sistema deve ser capaz de rastrear os fluxos de carbono em todas as jurisdições com alto grau de precisão e a um custo razoável. Aproveitar as tecnologias de sensoriamento remoto e os dados de satélite, bem como as crescentes iniciativas de Infraestrutura Pública Digital (Digital Public Infrastructure – DPI), é fundamental para atingir esse objetivo, permitindo o monitoramento consistente e de baixo custo de vastas áreas florestais.
Uma característica que define a contabilidade de carbono do RDM é sua abordagem baseada no saldo líquido. Em vez de creditar apenas o sequestro bruto de carbono, o mecanismo leva em consideração o saldo líquido de carbono dentro de cada jurisdição. Esse saldo é calculado como o carbono sequestrado por meio da regeneração florestal menos as emissões decorrentes do desmatamento, da degradação florestal e das atividades agropecuárias. Ao vincular os pagamentos aos resultados líquidos, essa abordagem garante que as jurisdições sejam recompensadas pelos esforços de restauração, ao mesmo tempo em que enfrentam um claro desincentivo ao desmatamento. O resultado é a criação de uma estrutura de incentivos coerente, alinhada tanto à mitigação das mudanças climáticas quanto à integridade do uso da terra.
Ampliação através de Acordos Internacionais
Ampliar a restauração florestal para atingir as metas climáticas globais exige fluxos financeiros grandes, estáveis e previsíveis, algo que os mercados voluntários de carbono provavelmente não conseguirão oferecer na escala necessária. Em contrapartida, os mercados regulados de carbono oferecem a profundidade e a confiabilidade necessárias, mas até agora permaneceram amplamente fechados aos créditos internacionais devido a preocupações com a integridade ambiental, atrasos na mitigação doméstica e equidade.
A estrutura de contabilidade de carbono do RDM aborda diretamente muitas dessas preocupações. Ao emitir créditos em uma base líquida, contabilizando tanto o sequestro de carbono por meio da regeneração florestal quanto as emissões decorrentes do desmatamento e das atividades de uso da terra, o RDM garante que os créditos reflitam benefícios climáticos reais, adicionais e verificáveis. Essa estrutura não apenas recompensa a restauração florestal, mas também impõe um custo direto para o desmatamento, aumentando tanto a responsabilidade quanto a credibilidade ambiental.
Essas características tornam o RDM particularmente adequado para a integração em mercados internacionais. De acordo com o Artigo 6 do Acordo de Paris, os países podem se envolver na transferência de Resultados de Mitigação Transferíveis Internacionalmente (Internationally Transferable Mitigation Outcomes – ITMOs). Os créditos de carbono florestal de alta integridade gerados por meio de programas jurisdicionais do RDM poderiam atender a esse padrão, liberando o acesso à demanda em escala, mantendo a integridade das metas climáticas nacionais e internacionais.
Assunção, Hansen, Munson e Scheinkman (2025) demonstram os ganhos potenciais de eficiência: embora não seja diretamente comparável à captura, o custo atual de uma licença (equivalente a uma tonelada de CO2) no Sistema de Comércio de Emissões da União Europeia (European Union’s Emissions Trading System – EU ETS) — que recentemente tem sido negociado a uma média de cerca de US$ 80 (EU$ 70) — poderia financiar a captura de pelo menos três toneladas por meio do reflorestamento na Amazônia brasileira. Isso ilustra como o uso de créditos internacionais pode reduzir os custos de conformidade para países de alta renda, ao mesmo tempo em que amplia a ambição de mitigação.
Para jurisdições tropicais, o acesso aos mercados internacionais se traduziria em financiamento previsível e baseado em resultados para apoiar a restauração em larga escala, fortalecer a fiscalização e promover o desenvolvimento inclusivo. Longe de ser uma brecha, os créditos internacionais de alta integridade oferecem um caminho para trazer mais resultados, com maior rapidez e melhor custo-benefício — ao mesmo tempo em que canalizam o financiamento climático para os países que estão mais bem posicionados para entregar resultados.
Diante de prazos climáticos cada vez mais curtos, excluir oportunidades confiáveis de mitigação dos mercados regulamentados acarreta um custo global. O RDM pode ajudar a preencher essa lacuna, alinhando sistemas de contabilidade robustos com a arquitetura financeira necessária para ampliar as soluções climáticas.
Permanência
Garantir a permanência do sequestro de carbono é um dos principais desafios dos mecanismos de carbono baseados em florestas. À medida que as florestas restauradas amadurecem, a taxa de absorção de carbono diminui naturalmente, resultando na emissão de menos créditos novos. Essa dinâmica gera um problema de consistência temporal: jurisdições que inicialmente se comprometeram com a restauração podem posteriormente considerar economicamente vantajoso retornar ao desmatamento, especialmente quando os pagamentos diminuem. Além dessas pressões econômicas, incêndios florestais e desmatamento ilegal permanecem como ameaças constantes que podem comprometer o armazenamento de carbono a longo prazo e a integridade ambiental do mecanismo.
Scheinkman (2024) examina essa questão no contexto da Amazônia brasileira, mostrando que o fluxo de pagamentos sob o RDM atinge seu pico e depois diminui gradualmente à medida que as florestas atingem o equilíbrio de carbono. Embora a desistência seja improvável nos primeiros anos, o incentivo para abandonar a restauração torna-se positivo após cerca de quatro décadas, quando o valor presente líquido de usos alternativos da terra supera o valor da continuidade do cumprimento.
Para enfrentar esse desafio, o RDM deve incorporar salvaguardas explícitas de permanência, criando custos financeiros e institucionais para futuros governos que possam descumprir os compromissos de conservação. Duas abordagens complementares podem ser consideradas:
Fundo de Permanência: para cada crédito de carbono emitido sob o RDM, uma pequena taxa seria depositada em um fundo de permanência específico. Após 40 anos, quando os pagamentos regulares de créditos diminuírem, o fundo recompensaria as jurisdições por meio de pagamentos, como os do TFFF, garantindo, assim, incentivos financeiros contínuos para a conservação. Scheinkman (2024) estima que a taxa exigida seria inferior a US$ 3 por tonelada de CO2, e os parâmetros resultantes do TFFF seriam suficientes para impedir a deserção.
Estrutura de empréstimos perdoáveis: conforme proposto por Harstad (2025), os pagamentos de carbono poderiam assumir a forma de empréstimos perdoáveis, em vez de subsídios ou pagamentos incondicionais. Os países receberiam financiamento inicial para a restauração, mas seriam obrigados a reembolsar o empréstimo no caso de as áreas restauradas serem posteriormente desmatadas. Enquanto as florestas permanecessem intactas, não haveria necessidade de reembolso. Essa abordagem utiliza as estruturas da dívida soberana para garantir o cumprimento e a permanência das ações no longo prazo. Se o mecanismo for implementado com taxa de juros zero, ele não aumentará o endividamento do país, pois os fundos recebidos só precisariam ser devolvidos em caso de desmatamento das áreas restauradas.
A incorporação de tais mecanismos de compromisso de longo prazo, sejam eles baseados em incentivos (carrot) ou em sanções (stick), é essencial para lidar tanto com os riscos econômicos decorrentes das mudanças no uso da terra quanto com os riscos físicos de incêndios ou degradação. Essas medidas são fundamentais para garantir a durabilidade e a credibilidade das reduções de emissões ao longo de várias décadas.
Viabilidade de Crédito de Longo Prazo
As jurisdições que participarem do RDM realizarão mudanças significativas no uso da terra, afastando-se de atividades como pecuária e cultivo agrícola em direção à restauração florestal em larga escala. Essas decisões envolvem custos econômicos irreversíveis em nível local, especialmente quando o uso da terra passa da agropecuária produtiva para a regeneração natural. Reverter esse processo costuma ser difícil e oneroso, assim é essencial que as jurisdições recebam garantias confiáveis de apoio financeiro contínuo ao longo do tempo.
Garantir a viabilidade do crédito a longo prazo é, portanto, um desafio duplo. Por um lado, é necessário mitigar os riscos de permanência, conforme discutido na seção anterior. Por outro lado, as jurisdições precisam ter confiança de que a demanda por créditos de captura de carbono permanecerá forte e previsível no futuro, especialmente após já terem comprometido terras e recursos para a restauração.
Isso enfatiza a importância de ancorar o RDM nos mercados internacionais de carbono, os quais podem oferecer a escala, a estabilidade e o apoio institucional necessários para assegurar a demanda de longo prazo. Sem essas garantias, os riscos econômicos e políticos de se comprometer com a restauração florestal podem superar os benefícios percebidos, prejudicando a eficácia do mecanismo.
Uso dos Recursos
Como um mecanismo baseado em resultados, o RDM deve proporcionar às jurisdições flexibilidade na alocação de fundos, permitindo o alinhamento com as prioridades nacionais e o respeito pelos processos políticos internos. Os rendimentos podem ser naturalmente utilizados para apoiar uma série de ações relacionadas com as florestas, incluindo a criação e manutenção de áreas protegidas, a aplicação de regulamentos ambientais, o apoio aos povos indígenas e às comunidades tradicionais e programas de conservação mais amplos.
Considerando a escala potencial das receitas em algumas jurisdições, os fundos podem ser integrados aos sistemas de finanças públicas existentes e alocados de acordo com as regras locais e as estruturas institucionais. Em muitos países com florestas tropicais, necessidades urgentes de desenvolvimento, como redução da pobreza, melhoria do acesso à educação e à saúde, segurança pública e infraestrutura urbana, competem por recursos escassos.
Garantir que as receitas do RDM contribuam de forma equilibrada para a proteção ambiental e o desenvolvimento socioeconômico ajuda a construir um apoio político mais amplo aos esforços de restauração florestal. Quando o financiamento climático baseado em florestas gera melhorias reais na vida das pessoas, o mecanismo ganha legitimidade e o compromisso com a conservação se fortalece.
Papel do Setor Privado
O setor privado pode desempenhar um papel significativo na restauração florestal. No âmbito do RDM, as receitas de carbono podem ser direcionadas para atores privados que atuam como prestadores de serviços para atividades de restauração. Em muitos contextos, especialmente no caso de paisagens degradadas ou fragmentadas, a implementação de abordagens de restauração ativa, como regeneração natural assistida, plantio de enriquecimento ou sistemas agroflorestais, podem ser mais eficazes do que depender apenas da regeneração natural das florestas. Contratar entidades privadas, cooperativas ou organizações comunitárias para desempenhar esses serviços pode aumentar a capacidade de implementação, incentivar a inovação e acelerar os resultados da restauração.
Além disso, há uma diferença significativa entre o custo da restauração florestal e os preços vigentes do carbono em mercados regulados. Essa diferença abre oportunidades para que atores do setor privado participem de acordos baseados em resultados ou modelos de financiamento misto que combinam os pagamentos do RDM com receitas de outras fontes.
Além dos mercados de carbono, o setor privado também pode desempenhar um papel no desenvolvimento de cadeias de valor compatíveis com as florestas — como açaí, cacau, castanha-do-pará e outros produtos florestais não madeireiros — que apoiam meios de subsistência sustentáveis e reforçam as metas de conservação. A mobilização da expertise e dos recursos do setor privado nesses setores pode contribuir para o alinhamento da restauração florestal com o desenvolvimento econômico inclusivo.
Simulação das Receitas do JREDD+, TFFF e RDM em Países com Florestas Tropicais
Este trabalho busca simular o potencial de receita dos mecanismos JREDD+, TFFF e RDM diante de um mesmo cenário: todas as terras desmatadas entre 2001 e 2023 são restauradas e não ocorre mais desmatamento (Figura 15). Nessa simulação, os pagamentos JREDD+ estão vinculados ao desmatamento evitado, o TFFF oferece recompensas pela conservação de florestas em pé, e o RDM oferece compensação pela restauração florestal. Para maior clareza e para enfatizar as principais diferenças entre esses mecanismos, potenciais interações entre eles não estão sendo consideradas.
Figura 15. Simulação do Potencial de Receita do JREDD+, TFFF e RDM nos 20 Principais Países com Florestas Tropicais
Nota: Os dados relativos à área florestal do México provêm do Inegi (2019) e referem-se ao ano de 2014. Os valores JREDD+ representam os montantes acumulados estimados que os países teriam recebido nos últimos dez anos num cenário contrafactual de desmatamento zero nas florestas tropicais e subtropicais úmidas de folha larga. Os valores TFFF e RDM representam o valor presente (VP) de todos os pagamentos futuros ao abrigo desses instrumentos.
Fonte: CPI/PUC-Rio com dados de Hansen et al. (2013) – v1.11, CHIRPS (2023) e TerraClimate (2020), 2025
Considerando um preço de referência de US$ 10 por tonelada de CO2, a simulação estima o potencial das receitas do JREDD+ ao vincular o desmatamento evitado ao carbono armazenado nas florestas tropicais que foram desmatadas. A linha de base para o crédito de carbono é definida como a média anual do desmatamento de 10 milhões de hectares observada entre 2013 e 2023, com um estoque de carbono associado de aproximadamente 375 toneladas de CO2 por hectare. Para estimar o potencial máximo do JREDD+ em deter o desmatamento, o exercício pressupõe um cenário extremo em que todo o desmatamento é interrompido imediatamente durante o primeiro período de emissão de créditos, resultando em um pagamento único. Uma abordagem alternativa seria modelar uma possível redução gradual do desmatamento, o que implicaria um cronograma de pagamentos ao longo do tempo. No entanto, o VP de tal cronograma seria necessariamente inferior ao do cenário de desmatamento zero imediato.
Multiplicando essa densidade de carbono por um preço de referência de US$ 10 por tonelada de CO2 e pelo desmatamento médio anual, obtém-se uma estimativa das receitas que os países poderiam ter obtido com o JREDD+ ao interromper imediatamente a perda florestal. Para todos os países combinados, isso equivale a US$ 32,4 bilhões. Esse valor deve ser entendido como um ganho único, refletindo a interrupção imediata do desmatamento na linha de base de 10 milhões de hectares e o preço de referência de US$ 10 por tonelada de CO2.
Em contraste com o JREDD+, os mecanismos TFFF e RDM envolvem necessariamente cronogramas de pagamento distribuídos ao longo do tempo. Para o TFFF, os pagamentos são feitos anualmente, enquanto, para o RDM, o cronograma é determinado pelo ritmo natural da regeneração florestal ou do plantio. Considerando essas trajetórias distintas, as receitas potenciais de cada mecanismo são estimadas usando o VP descontado dos pagamentos esperados, aplicando uma taxa de desconto de 2%.
O potencial do TFFF baseia-se na área total de floresta tropical de 1,27 bilhão de hectares. Assumindo um valor de US$ 4 por hectare de floresta em pé, isso se traduz em aproximadamente US$ 5 bilhões em pagamentos anuais, resultando em um VP de quase US$ 250 bilhões.
A simulação do potencial do RDM pressupõe que todas as áreas desmatadas entre 2001 e 2023 serão submetidas à regeneração a partir de 2031. Utilizando um preço de carbono de US$ 50 por tonelada de CO2, isso gera um VP de aproximadamente US$ 1,7 trilhão em países com florestas tropicais.
Essa diferença entre os três mecanismos reflete os objetivos distintos de cada um: o JREDD+ é um mecanismo que, na prática, tem sido usado principalmente para interromper o desmatamento; o TFFF fornece pagamentos por florestas em pé, inclusive em áreas que não estão sob pressão imediata de desmatamento; e o RDM compensa remoções de carbono em larga escala, incentivando a restauração de terras degradadas.
Os resultados comparativos destacam uma forte variação entre os países. O Brasil, país com a maior cobertura florestal, o maior desmatamento e o maior potencial de restauração, registra as maiores receitas potenciais em todos os mecanismos. No entanto, os benefícios relativos diferem significativamente em outros lugares. A maioria dos países com florestas tropicais deve alcançar maiores benefícios com o RDM. Entretanto, no caso dos países como Gabão e Guiana, em que as florestas estão praticamente intactas e o desmatamento é baixo, presume-se que os benefícios sejam maiores com o TFFF. Os valores do JREDD+ são significativamente mais baixos neste cenário, porque, na melhor das hipóteses, quando o desmatamento é imediatamente interrompido, trata-se de um pagamento único, enquanto, no caso do TFFF e do RDM, são fluxos de pagamentos. Esses resultados reforçam a importância de uma abordagem integrada, que possibilite que os instrumentos de políticas públicas sejam adaptados aos perfis e às necessidades particulares de cada país.
Estabelecer mecanismos de restauração eficazes que complementem os esforços de conservação existentes é fundamental para destravar todos os benefícios climáticos, ecológicos e sociais das florestas tropicais. A restauração deve ser projetada para funcionar em conjunto com incentivos de conservação, garantindo, assim, que os ganhos com a recuperação florestal não sejam alcançados às custas das florestas existentes. A urgência da crise climática exige soluções inovadoras e escaláveis que respondam às diversas realidades nacionais e se integrem perfeitamente aos esforços contínuos de proteção florestal. Daqui para frente, o avanço desses mecanismos complementares será essencial para maximizar o papel das florestas tropicais como pilares da mitigação climática global.
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[1] Texto original: “the importance of conserving, protecting and restoring nature and ecosystems towards achieving the Paris Agreement temperature goal, including through enhanced efforts towards halting and reversing deforestation and forest degradation by 2030”.