• Paula Bernasconi e Clarissa Gandour*
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Eliminar o desmatamento ilegal das cadeias produtivas deve ser uma prioridade estratégica para o agronegócio brasileiro. Assegurar que a produção ocorra em conformidade com a regulamentação ambiental aumenta a competitividade do setor em mercados internacionais, uma vez que investidores, empresas e consumidores têm se mostrado cada vez mais exigentes em relação ao cumprimento de normas e compromissos ambientais.

Além disso, a conservação da vegetação nativa e de serviços ecossistêmicos é necessária para garantir a preservação de fatores biofísicos e de recursos hídricos fundamentais para a produção agropecuária no país.

Vozes-do-agro-Coalizão-transparência (Foto: Editora Globo)

Não é de se espantar, portanto, que incorporar informações sobre o desmatamento nos processos de tomada de decisão já seja prática amplamente difundida no agronegócio brasileiro.

Um mapeamento feito pela Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura aponta que 90% das instituições respondentes utilizam informações sobre desmatamento para implantar novos negócios ou operações, monitorar fornecedores e áreas produtivas da própria empresa ou avaliar risco e carteiras de crédito.

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Há, hoje, um rico conjunto de dados disponíveis sobre o tema no Brasil. Além dos dados oficiais sobre supressão de vegetação (PRODES/Inpe), alertas de degradação e desmatamento (DETER/Inpe) e uso do solo em áreas desmatadas (TerraClass/Inpe), as instituições também consultam informações oriundas do MapBiomas, iniciativa que produz um mapeamento anual do território nacional.

No entanto, o levantamento feito pela Coalizão revela que o setor privado ainda se depara com barreiras relevantes para tornar o uso dos dados sobre desmatamento mais estratégico, sendo que, entre elas, duas se destacam.

"Um dos obstáculos é a falta de informações complementares sobre a área desmatada, em especial no que diz respeito à legalidade daquela supressão de vegetação e aos detentores do imóvel onde ela ocorreu"

Clarissa Grandour e Paula Bernasconi

O primeiro obstáculo é o acesso a informações complementares sobre a área desmatada, principalmente no que diz respeito à legalidade daquela supressão de vegetação e aos detentores do imóvel onde ela ocorreu. Afinal, para que o setor possa avançar no controle do desmatamento em suas cadeias, é necessário que se possa distinguir o desmatamento legal do ilegal e identificar os responsáveis pelas práticas ilegais.

Dados para transpor essa barreira já existem, como o registro dos imóveis rurais no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e as autorizações de supressão de vegetação (ASV), porém eles não são disponibilizados publicamente de forma sistemática. Trata-se, portanto, de uma questão de transparência.

A segunda barreira são as incertezas referentes a detalhes técnicos dos dados sobre o desmatamento, que acabam por limitar o uso destes por parte das empresas. O setor privado busca maior clareza na compreensão do que o dado representa e como ele pode ser usado, para que possa incorporá-lo em seu processo de decisão de forma mais estratégica e rigorosa.

Para isso, é preciso aprimorar a documentação e a comunicação de detalhes técnicos das bases de dados disponíveis, mas também desenvolver formas objetivas e simples de aproximar essas bases de seus usuários.

O levantamento feito pela Coalizão Brasil foi um passo em direção a uma melhor compreensão de como o setor privado utiliza os dados do desmatamento e, principalmente, dos principais entraves para potencializar seu uso, de forma a apontar caminhos de atuação para o movimento.

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Parte das dificuldades identificadas no mapeamento pode ser abordada por meio de medidas de comunicação para promover um entendimento mais robusto dos dados existentes. Treinamentos, capacitações e a aproximação entre instituições que geram os dados e aquelas que os consomem podem ajudar nesse sentido.

Contudo, para que o setor privado e, em especial, o agronegócio possam fazer um uso mais estratégico dos dados do desmatamento, é fundamental que haja compromisso com uma maior transparência das informações. Sem isso, seguiremos sendo um país que, apesar de deter um inigualável conjunto de informações sobre seu território, não o utiliza em todo seu potencial para avançar em direção a um desenvolvimento mais sustentável.

*Clarissa Gandour é coordenadora de Avaliação de Política Pública de Conservação no Climate Policy Initiative (CPI/PUC-Rio) e líder da Força-Tarefa Dados de Desmatamento da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, movimento com mais de 300 representantes de setores como agro, financeiro, sociedade civil e academia

*Paula Bernasconi é coordenadora de Incentivos Econômicos para Conservação no Instituto Centro de Vida (ICV) e líder da Força-Tarefa Dados de Desmatamento da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura

As ideias e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do seu autor e não representam, necessariamente, o posicionamento editorial da Revista Globo Rural.