• Juliano Assunção e Leila Harfuch*
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O Brasil é líder mundial na produção de alimentos. Nos últimos 50 anos, o país deixou de ser um importador para se tornar o maior exportador líquido de produtos agropecuários. Também não resta dúvida de seu papel crucial nas próximas décadas para suprir uma crescente demanda de alimentos. Tudo indica, no entanto, que o mercado internacional estará cada vez mais preocupado com o impacto da produção sobre o meio ambiente, sobretudo, no que diz respeito às emissões de gases de efeito estufa e às mudanças no clima. É um movimento natural e que beneficia toda a sociedade.

O interessante é que essa inquietação cada vez mais forte em relação às mudanças climáticas cria uma camada adicional para as vantagens comparativas do Brasil. Por razões históricas, nenhum outro país tem tanto espaço para aumentar sua produção de alimentos sem desmatar ou mesmo tanto potencial para a adoção de práticas de produção de baixa emissão de carbono. O desenvolvimento da agricultura no Brasil decorre muito mais de ganhos de produtividade do que de abertura de novas áreas por desmatamento, muito por conta de melhoramento genético, intensificação da pecuária, recuperação de pastagens degradadas ou conversão de pastagens em lavouras.

vozes agro cpi agroicone (Foto: Globo Rural)

O desafio que se impõe ao país, portanto, é o de desenvolver a produção agropecuária de forma compatível com as necessidades da sociedade moderna, em que, felizmente, a sustentabilidade é uma preocupação central. É nesse contexto que devemos avaliar alguns movimentos recentes do Banco Central, em três grandes frentes de trabalho.

A primeira delas se dá no campo do crédito rural. Este é a política pública mais relevante para o setor, mas teve suas bases definidas em um momento em que a agropecuária tinha uma configuração muito distinta. Agora, o crédito rural passa por uma longa agenda de aprimoramentos que visam melhor alocar a subvenção governamental em atividades de interesse público, em que a sustentabilidade, neste momento, oferece uma direção natural.

De fato, entre as mudanças recentes no Plano Safra 2021/2022 destacam-se: (i) o aumento de recursos para investimentos no agro, especialmente para o Programa ABC; (ii) a ampliação das tecnologias financiadas pelo ABC, tais como energias renováveis; irrigação; produção de bioinsumos e ampliação das práticas de conservação do solo; (iii) simplificação e harmonização das linhas de crédito de investimentos que financiam a inovação, a modernização e tecnologias e práticas de redução de emissões e adaptação às mudanças do clima; (iv) incentivos para a adequação ambiental perante o Código Florestal, aumentando o limite de crédito dos produtores com Cadastro Ambiental Rural (CAR) validado.

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Essas iniciativas criam oportunidades para impulsionar a implementação da regulação e aumentar a adoção de tecnologias sustentáveis no campo, o que, além de contribuir com os compromissos ambientais, tem potencial para promover um ciclo virtuoso de maior produtividade, renda e resiliência no setor agropecuário.

Na segunda frente de trabalho, a dimensão Sustentabilidade da Agenda BC traz iniciativas importantes para promover transparência, como é o caso da criação do Bureau de Crédito Rural Sustentável, que busca evidenciar adicionalidades sociais, ambientais e climáticas. A consulta pública aberta pelo Banco Central em março de 2021 incluiu critérios e atributos socioambientais no registro das operações no Sistema de Operações do Crédito Rural e do Proagro (Sicor) que privilegiam empreendimentos rurais com essas características adicionais.

Essas informações possibilitam uma série de aplicações, principalmente no conceito de Open Banking, em que produtores poderão dar acesso a seus dados para terceiros. Portanto, investidores e parceiros comerciais interessados em produção sustentável terão, no sistema, uma plataforma com grande potencial. O Banco Central, inclusive, já anunciou, como aplicação importante, um maior direcionamento do crédito subsidiado para os produtores que demonstrarem tais adicionalidades.

Na terceira frente, o Banco Central está estabelecendo regras e normas para o melhor gerenciamento dos riscos social, ambiental e climático no Sistema Financeiro Nacional. A contabilização dos riscos e o estabelecimento de critérios mínimos a serem observados pelas instituições financeiras seguem as tendências de outros reguladores internacionais, além das diretivas do Financial Stability Board. Na medida em que os riscos estejam quantificados de forma mais adequada, a atuação do sistema financeiro tende a criar incentivos para a adoção de boas práticas e, naturalmente, contribuir para o desenvolvimento da agenda de sustentabilidade.

Enfim, o país está diante de uma grande oportunidade para conectar o futuro do agro com um mercado em expansão e cada vez mais sofisticado. O Brasil possui um portfólio de práticas e tecnologias sustentáveis e resilientes, um conjunto de normativas e instrumentos de incentivo e um amplo espaço para aumentar produção sem desmatar.

O anúncio do Banco Central sobre a agenda de sustentabilidade e as consultas públicas realizadas ao longo do ano e seus resultados consistem em passos importantes. Mas o diabo mora nos detalhes, como dizem, e neste caso, o detalhe é a implementação. É importante acompanhar se esses esforços se concretizarão em resultados reais e benéficos para os produtores, meio ambiente, investidores e toda a sociedade. São, sem dúvida, as bases para a sustentabilidade do agro, seja no sentido de seu impacto ambiental ou da prosperidade do setor no longo prazo.

*Juliano Assunção é diretor executivo da Climate Policy Initiative – CPI e Professor de Economia da PUC-Rio, e Leila Harfuch é sócia-gerente da Agroicone. Ambos são líderes da Força-Tarefa Finanças Verdes do Fórum de Diálogo Agropecuária e Silvicultura da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.

**as ideias e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não refletem, necessariamente, o posicionamento editorial da revista Globo Rural