Caminhos para identificar e promover a agropecuária sustentável no Brasil
As medidas do Plano Safra, por exemplo, são instrumentos fundamentais para incentivar as boas práticas no campo
Por Leila Harfuch e Priscila Zeraik de Souza*
O Plano Safra e o Plano Safra da Agricultura Familiar 2023/2024 trouxeram importantes novidades. Além do maior volume de recursos da história da política agrícola, esses planos incluíram mecanismos para promover atributos socioambientais na produção agropecuária e impedir ilegalidades na concessão do crédito rural.
Esse movimento é de extrema relevância, considerando o papel crucial da política pública em aumentar a produtividade e a resiliência da agropecuária, garantir a segurança alimentar e contribuir para a preservação da vegetação nativa e para a mitigação das mudanças climáticas.
No entanto, para prover os incentivos adequados, é essencial identificar e mensurar a sustentabilidade da produção agropecuária. Três caminhos precisam ser trilhados simultaneamente.
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Em primeiro lugar, é preciso estabelecer critérios para definir boas práticas agropecuárias e verificar a sua implementação com agilidade e precisão. A identificação de atributos socioambientais pode ser utilizada para oferecer condições de financiamento diferenciadas ao produtor sustentável, como desconto em taxas de juros.
A identificação e verificação de práticas agropecuárias sustentáveis são um desafio. Sempre haverá discordâncias sobre o que deve ou não ser considerado sustentável, mas isso não pode impedir avanços. Já existem bases de dados e sistemas de informação que podem ser usados como ponto de partida e que devem ser progressivamente aprimorados.
O Sistema de Operações do Crédito Rural e do Proagro (SICOR), do Banco Central do Brasil, permite a avaliação das práticas adotadas na propriedade.
Dentre os campos disponíveis destacam-se o tipo de agropecuária (convencional, agroecológica, orgânica etc.); tipo de integração (sistemas agroflorestais, sistemas de integração etc.); tipo de irrigação (gotejamento, microaspersão etc.); e as tecnologias do Plano ABC+ (recuperação de pastagens degradadas, plantio direto, florestas plantadas etc.).
Informação
Adicionalmente, a qualidade das pastagens pode ser observada com o “Atlas das Pastagens”, atualizado anualmente pelo Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig), da Universidade Federal de Goiás. Essa informação pode ser utilizada para contratos de crédito de custeio para aquisição de bovinos.
Ainda, operações de custeio para lavouras irrigadas devem considerar o “Atlas Irrigação” da Agência Nacional Águas (ANA), reduzindo riscos relacionados à oferta hídrica nos municípios onde os imóveis rurais estão inseridos.
Em segundo lugar, é necessário monitorar o desmatamento nos imóveis rurais, uma vez que a conversão de vegetação nativa é a principal fonte de emissões de gases do efeito estufa do país. A política agropecuária precisa restringir crédito para produtores envolvidos com desmatamento ilegal e com crimes socioambientais.
Um importante avanço desse Plano Safra foi anunciar o impedimento do acesso ao crédito para os produtores com embargos ambientais emitidos pelos órgãos federais e estaduais para todos os biomas e imóveis com sobreposição com florestas públicas não destinadas.
Entretanto, uma pequena parcela dos imóveis com desmatamento ilegal possui embargos, o que requer avanço no monitoramento.
O Brasil já dispõe de importantes sistemas de sensoriamento remoto. Dados de satélite de alta qualidade disponibilizados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e pelo MapBiomas podem ser usados para a verificação do desmatamento ilegal no passado e até gerar alertas em tempo real, impedindo a concessão de crédito para esses produtores, a exemplo do que já está sendo implementado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Em terceiro lugar, é imprescindível garantir que os imóveis rurais estejam em conformidade com a legislação ambiental. A implementação do Código Florestal deve assegurar a sustentabilidade da produção agropecuária brasileira.
Avanços necessários
É preciso avançar com a validação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e a regulamentação dos Programas de Regularização Ambiental (PRA). A política de crédito deve promover o cumprimento das obrigações de preservação da vegetação nativa nos imóveis rurais (Reserva Legal e Áreas de Preservação Permanente).
O Plano Safra é um instrumento fundamental para incentivar a sustentabilidade no campo. As bases de dados e os sistemas de monitoramento devem ser continuamente aprimorados, mas já dispomos de um conjunto robusto de ferramentas para identificar atributos socioambientais da agropecuária e promover a adoção de boas práticas e a preservação das florestas. Isso é cada vez mais fundamental para o sucesso econômico e o posicionamento global do Brasil.
* Leila Harfuch é gerente geral da Agroicone e colíder da Força-Tarefa de Finanças Verdes da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Priscila Zeraik de Souza é gerente sênior no Climate Policy Initiative (CPI/PUC-Rio) e colíder da Força-Tarefa de Finanças Verdes da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura
Obs: As ideias e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva de suas autoras e não representam, necessariamente, o posicionamento editorial da revista Globo Rural